Esta elegante caneta está a
chegar ao seu destino final, mais palavra menos palavra e a razão da sua
existência terminará, ou seja morrerá a sua alma. Mas enquanto tiver tinta ela
cumprirá a sua missão. O Deus que é o ser que a manobra tem de estar à altura
da alma desta moribunda esferográfica de seu nome BIC. Vai partir sem fama nem
glória, mas mesmo que a escrita seja sublime, ninguém irá dar elogios à nobre
caneta que tal tinta tem, melhor tinha. Mas ela vai resistindo como se o fim
não estivesse perto. Não chora, não geme, nem reza ao seu Deus para que a não
deixe partir. Ela vai-se findar, mas vai fazê-lo com toda a dignidade,
mostrando ao mundo das canetas quanto gloriosa foi a sua existência e como
cumpriu a sua missão de caneta. Enquanto outras, muitas outras, uma quantidade
sem fim ficam eternamente infecundas, ao ponto da sua alma secar sem dar nada ao
mundo. A agonia continua e ela não se queixa, o esvaziar não pára e ela
continua na sua viagem até ao fim como se o seu destino fosse algo sagrado para
o seu corpo, no futuro inútil e sem ideias. Caneta que tem direito a um poema
final de consagração devido à sua partida para o mundo do nada, mas que a sua
alma negra neste caso deixou no quadriculado deste caderno, que a aceitou e
acariciou com a delicadeza do seu epiderme de papel reciclado a caneta que foi
amada. Também amou com o negro da sua tinta, da sua alma e da ponta do seu
corpo, estas folhas com imenso carinho, fazendo amor puro e sem complexos nem
ciúmes.
Caneta que vais morrer
Negra é tua alma
Negra de pureza
Em corpo transparente
Inútil no partir, útil no parir
De pura alma negra
Palavras são teu valor
Palavras teu testamento
Céu, purgatório ou inferno?
Nada, nada e nada!
No seu adeus,
Esta caneta moribunda,
Está acima de Deus!
Caneta não está feliz, porque o
poema não reproduz o seu viver. Caneta não está feliz, ansiava por igualdade
para todas as outras canetas, que nada têm mas nada fazem para ter. No
aproximar do seu fim está feliz porque ao morrer sente no corpo a mão do seu
Deus que afinal foi o seu mentor e o seu amante que a entregou ao papel num
acto de sacrifício mas de muito prazer e desprendimento intelectual. Caneta, sua
alma, papel e mão de Deus, amaram através de muitas páginas de aventuras sem
fim em verso e prosa. Prazer infinito dos filhos paridos pela alma negra desta
caneta que parte para a eternidade com a certeza do dever cumprido.
Bray 4/5/2012
Ao
verificar que a minha caneta estava a chegar ao fim apeteceu-me escrever-lhe
este requiem de despedida.
Moral da história: Não pudemos deixar morrer a caneta porque ela é o fruto do que foi antes das novas tecnologias. Num momento de lazer em que a caneta estava presente, há,então, que preservá-la para que não nos falte textos como este.
ResponderEliminar