quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O projecto


Um homem idoso na idade mas jovem no espírito, o senhor X, passou horas e horas fazendo aquele importante projecto. A sua empresa precisava de vender os materiais referentes a essa obra, para salvar os números do ano.
Tratava-se de um armazém de grandes dimensões para uma cadeia de Super Mercados. Obra de envergadura e muita complexidade. O senhor X desenhou durante o dia e continuou pela noite fora, após idealizar a solução arquitectónica. Depois passou à parte de engenharia, calculando todos esforços da estrutura. Calculou a resistência à tracção e à compressão, dos pilares, vigas e diagonais. Previu travamentos. Tudo foi pensado, calculado e revisto.
Ficou a tarefa feita? Não, nem pensar! Depois vinha outra de responsabilidade, contar todos os materiais necessários à obra, para poder ser feita a orçamentação. Ao fim e ao cabo, a única coisa que interessava ao cliente.
O projectista, contou milhares de barras, de dimensões variadas e de perfil diferente. Umas cantoneiras eram em 140, outras em 160, outras em 225, bastantes em 300 e algumas em 345.
Esta escolha dependia dos esforços a que cada barra era solicitada na exigência máxima.
Depois era a difícil contagem dos parafusos, eram dezenas de milhar dos normais, milhares dos de alta resistência e muitos de mola.
Havia quatro escadas com sua complexidade. Dezenas de corredores e varandins com centenas de pranchas perfuradas. Havia prateleiras de várias dimensões aos milhares. Havia os esquadros de travamento, assim como as sapatas especiais chumbadas ao chão.
Depois desta exaustiva contagem com muita responsabilidade, estava tudo?
Não! Era preciso recontar por outro método, só assim havia garantias de não haver erro na contagem com consequências no preço final da obra. Prejuízos que iriam reverter para a empresa fornecedora.
A seguir era preciso fazer a orçamentação propriamente dita assim com o relatório. Finalmente organizar as pastas com o processo completo.
Com as diversas etapas, passara-se quatro dias e três noites, num árduo trabalho quase sem paragem.
Qualquer outro técnico da empresa, levaria quase duas semanas a fazer aquele projecto orçamento. Isto se o soubessem fazer...
Como já disse, este projecto era fundamental para a sobrevivência daquela empresa de estruturas metálicas.
Enquanto no gabinete o idoso projectista fazia aceleradamente a árdua tarefa, o vendedor responsável por vender a obra, passava os dias no café ou passeando pela cidade, fingindo que visitava clientes. Uma grande balda!
Perante um projecto tão complexo e importante, o vendedor devia passar parte do dia perto do velho projectista para se inteirar de tudo e poder apresentar as mais-valias ao cliente. Mas nada disso o vendedor fez…
Após o projecto feito, orçamentado e o processo montado, o vendedor foi chamada para o levar ao cliente, empresa importante na área dos Super Mercados.
O técnico de vendas era medíocre, não entendia nada do projecto. Era como um boi a olhar para um palácio. Muito atrapalhado pediu ao velho projectista para ir com ele ao cliente.
O velho sentiu-se usado, lixado, recusou!
Então o coirão ia receber uma alta comissão e ele, o cérebro do projecto ainda tinha de ir vender o mesmo…
- Vai falar com o teu chefe e pede ajuda. Ele é pago para isso.
O vendedor contrariado assim fez.
Passando um pouco o director de vendas chegou ao gabinete do idoso projectista. Todo pipi, todo cagão, todo incompetente. Para o dito cujo, os seus negócios privados eram mais importantes do que os da empresa onde recebia chorudo vencimento. Ao chegar perto do nosso projectista, assim falou.
- Senhor X, o projecto e a venda é muito importante para a nossa empresa, venha lá ajudar a meu vendedor. O patrão ficará satisfeito, de contrário terás problemas.
O velho projectista aí ficou pior que um urso zangado. A tampa saltou e ele desabafou em voz alta.
- Coirões, incompetentes, vós sois quem tem a obrigação de vender. Andam nas putas e no fim têm os lucros. Vão-se fornicar!
Depois pensou mais aliviado.
- Porque estou a chatear-me? Estou já reformado, estou aqui de borla, dando uma ajuda. Vou-me já embora e os gajos que se fodam.
Após pensar isto, o velho idoso acordou, com o coração acelerado, mas aliviado.
Fim
José Bray, 16/12/2014
Nota - Foi mais um sonho recorrente do meu tempo de projectista. Foi um sonho mas com muito de verdade. Sonhei este tormento, na noite de 14 para 15 de Dezembro.


Carta ao Pai Natal


João andava na terceira classe daquela Escola que ficava longe do bairro onde morava. A Escola era no asfalto, mas o João vivia no bairro dos pobres.
O governo obrigava todas crianças a frequentar o ensino primário. Por isso o nosso pequeno, contra a vontade do pai, teve essa possibilidade: aprender a ler e a escrever. Já os irmãos mais velhos foram arredados dessa hipótese porque a lei, na idade deles, não impunha essa obrigatoriedade.
O nosso rapaz morava,  num bairro da lata, com os pais, dois irmãos mais velhos e uma irmã com pouco mais de dois anos.
Todos os dias o João fazia uma hora de caminho para alcançar a Escola e outra hora para chegar a casa. No regresso parava numa cantina para pobres, lá comia um prato de sopa e uma fatia de pão escuro.
Depois de chegar à sua barraca, João deixava a saca dos livros e ia ajudar o pai a apanhar ferro velho pelas ruas da cidade. Já noite e à luz do candeeiro a petróleo o miúdo fazia então os trabalhos de casa, neste caso os escolares.
João não era um super aluno, mas era razoável. Muito introvertido, pouco falava, mas escutava tudo com muita atenção,  inclusive as conversas dos seus camaradas, quase todos de famílias com grande poder económico.
Os tais colegas não lhe passavam cartão. As roupas, o calçado e o cabelo comprido denunciavam o estatuto de menino pobre. Naquela época não havia a moda do cabelo comprido e quando um rapaz tinha o cabelo um pouco maior era sinal da sua humilde condição.
Estávamos a chegar ao Natal, as férias iam começar já daí a dois dias. Na hora do recreio, o João e na sua inocência de criança, aproximou-se disfarçadamente do Eduardo, do Pedro e do David, eles eram os meninos ricos. O João sentia alguma inveja, porque tudo possuíam e ele nada tinha, e assim começou a ouvir as conversas.
Diziam eles:
- Sabes Pedro, já escrevi ao Pai Natal a pedir os brinquedos que quero. E tu?
- Eu, também Eduardo, só não sei se o Pai Natal traz todos, porque pedi muitos. E tu David?
- Já escrevi sim amigos, pedi uma bicicleta maior e uns patins. Tenho a certeza que os vou receber. A mim o Pai Natal nunca falhou.
- E tu João? Que estás a ouvir a conversa, já escreveste ao Pai Natal?
Assim falou o Eduardo com sorriso de gozo… a que os outros fizeram parelha.
O João apanhado desprevenido não quis dar parte de fraco e disse que sim.
No regresso a casa, foi matutando. Se aqueles colegas escrevem e recebem, porque razão não escrevo também?
Se assim pensou melhor o fez. Com os cinco tostões que tinha, para comprar uma carcaça e um rebuçado, passou nos CTT e comprou um postal para escrever e pedir o que gostava de ter nesse Natal.
Depois sentou-se num banco do Jardim e com uma letra cuidada começou a escrever o seu, tão desejado, pedido.

Querido Pai Natal,
Nunca tinha escrito a pedir um presente para mim no Natal, porque ainda não sabia escrever e tinha vergonha de pedir a alguém que soubesse, pois lá em casa todos são analfabetos.
Hoje na Escola ao ouvir os meus colegas, dizendo que já tinham escrito ao pai Natal, tomei coragem e aqui estou.
Pai Natal, eu quero pouca coisa, gostava de ter uma bola a sério, daquelas com que o Benfica joga. Também queria pedir uma boneca para a minha irmã que tem dois anos.
Se o Pai Natal achar que é muita coisa, então traga só a boneca para a minha irmã: eu não me importo de não receber a bola.
Muito obrigado Pai Natal
Beijos do João
Nota: a minha irmã chama-se Ana Maria.

O Natal passou e o João não recebeu a bola nem a irmã a boneca.
Na Escola perguntou ao Eduardo, ao David e ao Pedro, se tinham recebido os presentes. Eles com um largo sorriso de meninos com superioridade, disseram que sim e que até tinham recebido outros que o Pai Natal levara sem eles terem pedido.
Nesse dia,  João regressou a casa muito triste. Porque razão é que o Pai Natal levava os presentes aos meninos ricos e aos pobres não? Se ele não trouxesse a bola ainda perdoava ao Pai Natal, mas não ter trazido a boneca para a irmã não lhe perdoaria nunca.
Um dia, muito mais tarde compreendeu e então não mais acreditou no Pai Natal nem no menino Jesus. Agora também não tinha mais importância, sua irmã morrera, infelizmente já não precisava da boneca.
Comeira, Noite de Natal de 2014
Dedicado à minha irmã Ana Maria que partiu com dois anos e meio.
José Manuel Bray




Milagre de Natal (2)


João caminhava lentamente para casa, era de véspera de Natal, o dia estava húmido e frio. A tarde chegava ao fim e em breve a noite desceria sobre a cidade. Em casa duas crianças esperavam desesperadamente por ele.
O rapaz ainda novo, mal ultrapassava os trinta, apressou o passo, queria estar com os seus meninos o mais rápido possível. Tinha contudo ainda de resolver uma questão melindrosa, comprar os presentes para a Ana e a para o Luís, os seus gémeos. A menina queria uma boneca que há muito vira numa montra da Morais Soares e ele um revolver de plástico, que passara os dias a namorar defronte da montra da mesma loja de brinquedos.
Tudo seria muito simples, o problema é que ele não tinha o dinheiro para comprar os presentes tão desejados pelos filhos. Estava há muito desempregado e a divida ao merceeiro era muita e a renda do quarto estava atrasada já três meses. O Santos da loja e o senhorio Lopes, já tinham ditado a sentença. Ou aparecia o dinheiro, ou acabava a comida e a casa.
Que fazer?
Não visualizava qualquer solução… talvez roubar alguém com ar de abastado. Mas faltava-lhe a coragem e também o expediente.
Desde que morrera a sua amada sentia-se totalmente perdido. Mas os filhos tinham de comer e queriam que o pai Natal lhes trouxesse os brinquedos desejados.
Sem forças para tomar uma iniciativa ou para caminhar a centena de metros que o separavam do quarto em que sobrevivia com os filhos, sentou-se no banco da paragem dos autocarros. Uma amargura e um desespero imenso apoderaram-se do jovem homem. Não tardou que a emoção envolvesse o seu magro corpo, ao pensar nos filhos e na companheira desaparecida, mãe dos meninos.
Com a cabeça entre as mãos, por sua vez estas apoiadas nos cotovelos que faziam suporte nos joelhos cobertos pelas coçadas calças, o homem começou a chorar de mansinho, mas as lágrimas eram um rio deslizando pela cara cheia das marcas da fome.
Que fazer? Meus queridos filhos…
Não sentiu logo, mas aos poucos apercebeu-se de uma leve pressão no ombro esquerdo. Uma mão pequena batia ao de leve, aos poucos João foi-se apercebendo disso. Olhou!
Um sorriso maravilhoso olhava para ele, era a mulher mais linda que vira na vida. Seria um anjo?
- Porque choras meu rapaz? Diz-me o que se passa?
Sem conter as lágrimas o jovem homem abriu o coração. Devido à emoção atrapalhadamente deu algumas informações à senhora que entendeu logo o drama. Também ela há muito vivera situações semelhantes.
Então sem hesitar não só deu dinheiro ao João para as prendas como o convidou e aos filhos a passar a noite de Natal com ela e com sua filha uma menina da idade da Ana e do Luís.
João de imediato foi comprar as prendas para os filhos e à hora marcada lá estava à porta da casa da sua benfeitora.
Foi uma noite mágica para aquelas três crianças, para o João e para a maravilhosa senhora, tão bonita por fora como por dentro. João levou um ramo de violetas e recebeu uma foto de mãe com a filha. Há meia-noite uma luz multicolor brilhou forte na sala onde as crianças felizes abriam os presentes.
Os dias passaram e novo ano chegou, com ele a esperança na vida. Tudo começou a correr bem ao João, conseguiu um trabalho seguro e uma nova namorada entrou na sua vida.
Um dia João decidiu ir visitar a sua benfeitora. Vestiu os gémeos com roupa de domingo, comprou um ramo de rosas brancas, dirigindo-se depois para a morada em que estivera na noite de Natal.
A rua parecia-lhe mais velha e suja. Ao chegar ao prédio, este estava quase em ruínas com nítida falta de conservação. O homem entrou no edifício e bateu à porta. Apareceu-lhe uma velha muito velha.
- Que deseja?
- Venho visitar a senhora da casa. Ela está?
- Claro que está, a senhora da casa sou eu.
O homem com as crianças ao lado ficou confuso, tirou uma foto do coçado casaco e mostrou à velha.
- Falo desta senhora e da sua menina.
A mulher olhou atentamente para a fotografia abriu muito os olhos e exclamou espantada.
- O senhor ou está a brincar comigo ou está doido. Essa senhora morou aqui com a filha há mais de cinquenta anos. Há muito que morreram.
 O homem ficou aparvalhado, mas ainda perguntou.
- Mas como morreram, mãe e a filha?
- Sim homem de Deus, morreram num acidente quando regressavam de avião do estrangeiro.
Como era de esperar, João compreendeu que naquela noite de Natal, foi um milagre o que aconteceu. Os filhos não entenderam nada mas ele não mais esqueceria na vida, aquela mãe e sua filha.
Comeira, 13 de Dezembro de 2014
Dedicado à Francisca, sua mãe e sua avó!

José Bray

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Pesadelo


O rapaz mais velho, do quarto ano daquele Colégio de elite, orientava o formar da fila dos restantes miúdos. Três a três numa longa extensão eram mais de trezentos, todos de calções caqui e camisas verde, cabelo curto e penteado. Estavam todos sisudos, compenetrados da sua importante missão na marcha que se avizinhava. O leader, puto entroncado de negra cabeleira, dava ordens sem parar de gesticular. Sempre de trombas, parecia zangado com todos, incluindo Deus e o Diabo.
Reconheci de imediato o comandante daquela trupe, era um dos meus alunos de xadrez da turma especial. O Fabrício era habitualmente um garoto bem-disposto e educado. A sua atitude era muito estranha.
A formar o longo pelotão com modos bruscos, fingiu não me ver. Parte dos pequenitos daquela pandilha eram meus alunos das turmas de iniciação.
Alguns dos miúdos jogavam ainda partidas de xadrez na sala adjacente ao parque. Entretanto foram chamados com maus modos, aos berros e com palavrões. Devido à pressão e contra o que era habitual deixaram as peças espalhadas sobre a mesa e algumas no chão. Assustados correram a encaixarem-se na marcha. Gritei já enervado.
- Rapaziada, então já não se arruma as peças? Venham cá!
Mas de nada serviu o meu chamamento, disseram que o chefe não autorizava. Então chamei pelo chefe que já ia mais à frente. Um dos rapazes com cara de mau olhou para mim e declarou.
- Não chateeis o chefe porque ele tem um dever mais importante a cumprir, a pátria chama por nós.
Foi então, que um miúdo mais atrasado para a marcha, saiu das mesas a correr com uma toalha cheia de peças, num gesto de desprezo espalhou-as pelo chão. Depois com um sorriso de gozo mas maldoso, dando-me um encontrão foi em corrida juntar-se aos camaradas. Lá longe fazendo um toma e deitando a língua de fora desapareceu na curva do parque.
Curiosamente as peças atiradas ao chão eram só brancas, também reparei que todas elas, as do chão e as das mesas eram todas de madeira, nada havendo de plástico.
Tentei arrumar tudo mas não conseguia, nada batia certo, havia peças com falta de pequenos pedaços, estes espalhados por toda a parte não se encaixavam em nenhuma peça.
Pedia ajuda mas ninguém aparecia, excepto uma criança que não conseguia distinguir se era rapaz ou rapariga, aproximou-se e fez um sorriso estranho. Reparei com mais atenção e cheguei à conclusão que a criança sofria de Síndrome de Down, mas não muito pronunciado. Começou também a apanhar as peças, mas não para arrumar mas sim para as atirar para baixo das mesas e das cadeiras. Finalmente cheguei à conclusão que era um rapaz, ele ria-se, ria-se e ria-se. Cada vez as peças eram atiradas para mais longe. Ralhei com ele mas não ligou e ainda ria mais alto. Passei-me e dei um abanão ao miúdo, não magoei, mas senti-me logo mal. O miúdo começou a chorar, tentando com isso chamar a atenção para me incriminar. Como ninguém apareceu partiu não sei para onde. A correr e sempre gritando evaporou-se a cem metros dali.
Decidi então ir para uma arrecadação à procura de peças para completar os jogos. A arrecadação era um longo armário encastrado numa parede negra. Abri, lá dentro em diversas prateleiras havia muitas peças em sacos transparentes, todas de plástico e cheias de teias de aranha. Numa das prateleiras estava duas caixas de madeira em muito bom estado. Senti curiosidade, por isso decidi abrir as mesmas, as tampas saíram com facilidade.
Dentro da primeira caixa estava um esqueleto de criança rodeado de rosas brancas frescas como acabadas de colher, por cima do esqueleto uma foto mostrava uma menina de dois anos, de mão dada ao pai e segurava com a outra a saia do vestidinho. A chorar abri a segunda caixa, aí outro esqueleto pequeno rodeado de rosas brancas, uma foto estava também sobre o esqueleto, mostrava uma menina também de uns dois anos de mão dado com um menino mais velho. Emocionado fugi para a rua deambulando ao acaso.
Um tempo depois encontrei a minha irmã Teresa com um bilhete de avião na mão.
- Irmão desculpa não consegui bilhete para ti. Vou apanhar o avião, porque tenho muita coisa para fazer lá no meu destino. Adeus!
Fui a correr para o aeroporto, mas tudo estava fechado, Ao longe uma fila estava entrando num avião de quatro hélices, era um Super Constellation. Aproximei-me, não conseguia ver os rostos das pessoas, mesmo fazendo um enorme esforço.
Todas as pessoas foram entrando, no fim da fila estava um casal. Reparei no par, conhecia bem a mulher, o homem mais velho que a companheira não conheci. Ela a sorrir disse-me.
- Desculpa, tenho de partir, ele está velho e doente, tenho de tomar conta dele.
Entraram, a porta fechou-se e o SC arrancou com violência. As luzes foram-se apagando no aeroporto. Fiquei sozinho no meio da pista, na maior escuridão, um nevoeiro foi baixando e por fim desapareci de mim mesmo.
ZM, 1/3/2013



sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Montanha Mágica - A ilha flutuante - Os Felpudos


O povo das duas cidades vivia um momento de tristeza e ansiedade, os dois soberanos tinham partido para a pescaria sazonal. Havia dez dias que não apareciam, nem havia sinais da sua existência. Os ministros tentaram manter a situação em segredo, contudo uma criada língua de trapos chibou-se sem pensar e a notícia correu célere.
Os habitantes de Branca e Preta estavam abatidos e receosos do futuro, os príncipes herdeiros ainda não estavam à altura de governar o seu país, naquele mundo mágico, e os ministros não inspiravam confiança. Tratava-se de adolescentes um pouco inconscientes como o demonstraram no “Regresso à Montanha Mágica” quando partiram para o castelo do Sábio sem se prepararem para a excursão, nem pedirem conselhos ou ajudas a quem de direito. Por sua vez as rainhas estavam mais preocupadas com a arte do que terem de governar as suas cidades.
Então, os conselheiros dos dois reinos reuniram-se na Casa da Bifurcação (instalações na floresta na qual eram feitas as reuniões entre os dois estados) para analisar o problema e tomarem uma decisão. Como sempre, após muita discussão e não menos palpites não chegaram a nenhum consenso. Os príncipes queriam partir para o mar à procura dos pais, mas aí sim, os ministros não deram autorização. Então que fazer? Simples! Como sempre, neste tipo de complicação, foram pedir ajuda ao Sábio da Montanha Mágica, nosso já conhecido amigo, feiticeiro e sábio de muitos variados saberes.
Uma ave dourada voou até ao alto da montanha com uma missiva para o ancião, pedindo a sua comparência urgente. Não tardou demasiado a chegar, aparecendo como sempre envolto em fumo branco que rápido se dissipou. Embora já soubesse o que se passava fez a sacramental interrogação.
- Então que se passa meus senhores?
Os conselheiros quiseram falar atabalhoadamente todos ao mesmo tempo, o Sábio meteu logo ordem no comício, ou seja na reunião.
 – Fale um de cada vez porque assim fazem-me dores de ouvidos. Vamos lá com calma.
 O Barba Ruiva, falou então em nome de todos.
- Sábio, os dois soberanos partiram há dez dias para a pesca, quiseram ir sozinhos, dizendo demorar dois ou três dias. Estamos todos muito preocupados com medo do que possa ter sucedido. Depois falou o Gordo.
 - Queremos o teu conselho, como sempre é decisivo! Mas já te dizemos que não sabemos se foram para norte, leste ou oeste, por isso a solução é difícil e a decisão a tomar ainda mais complicada.
O velho acariciou a longa barba, branca com fios dourados, reflexo dos raios do por do sol que pouco a pouco foi desaparecendo lá para oeste afundando-se no grande oceano. O Sábio fez sinal com o dedo indicador para todos se sentarem e fazerem total silêncio. Coçou outra vez a barba que agora parecia cinzenta devido ao escurecer, os candeeiros de pedra florescente começaram a iluminar o vasto salão, a luz era fraca com cambiantes amarelas, dando ao ambiente um ar lúgubre mas acolhedor.
No barulho do silêncio, o Sábio pensava, pensava nas alternativas para poder tomar uma decisão. Para já era conveniente não espalhar o pânico nas populações, mas o velho sabia há muito que uma ameaça pairava no ar. Sabia mas não conseguia dominar os contornos desse perigo. Pensou. -- Vamos lá ter calma, se o veleiro real tivesse ido para oeste ou leste já teriam chegado noticias, tudo indica que viajaram para norte, nenhuma tempestade tem havido, por isso a hipótese de naufrágio são mínimas e os Logues (peixes gigantes e ferozes) não atacavam barcos do Continente Encantado. Podia enviar o Dragão amigo, investigar com dois homens no seu dorso, mas seria uma longa viagem e o Dragão não teria aonde pousar. Caissa podia dar uma ajuda, mas viajou para um planeta chamado Terra aonde é a Deusa do Xadrez e só voltará para o próximo Festival da Clareira para assistir ao jogo inventado por mim.
No grande Oceano, existe uma ilha flutuante que se desloca nas correntes, através dos tempos retorna aos mesmos pontos, de muitos em muitos anos ela aproxima-se do Continente Encantado, mesmo assim passa muito longe, não sendo visível de lá.
Ninguém nas cidades Branca e Preta sabe da existência dessa ilha, porque perto é uma expressão simplista de dizer, mesmo perto fica a dez dias de viagem de veloz veleiro e com vento a favor. Só o Sábio e a neta Zara sabiam da existência deste fenómeno, mesmo eles só sabiam parte.
Há muito que uma raça estranha andava a espionar o Continente naquela região, indo inclusive até à Montanha Mágica, depois ficavam escondidos até ao regresso da Ilha, apresentando depois o relatório na sua fala de grunhidos. Alguns morriam nestas andanças e o nosso Sábio um dia descobriu o cadáver de um deles, depois muito mais tarde de outro, acabou através dos tempos por encontrar dez. Mas todos mortos e bem mortos. Era uma raça muito esquisita, nada parecendo com os vários tipos de habitantes do Continente Mágico. Eram seres muito peludos, orelhas grandes em bico, braços que batiam no chão, pernas pequenas com cascos na extremidade, mãos com seis dedos, seres com metade da altura média dos seres da cidade Branca e cidade Preta, os olhos pequenos pareciam deitar faíscas, vestiam uma tanga de pele e comunicava por grunhidos, pareciam monstros que na verdade o eram!
O Sábio desconfiava que estes seres, a que alcunhou de Felpudos, vinham de tempos a tempos da ilha flutuante, mas nunca pensou que podia haver perigo de maior. Os Felpudos, já tinham tentado no passado enviar uma jangada enorme com cento e cinquenta passos de comprimento por cinquenta passos de largura carregada de seres, mais de duzentos, remando para tentar percorrer a longa distância. Nunca chegaram ao Continente porque os Logues afundaram a jangada e deglutiram os Felpudos sem excepção. Desta forma os peixes gigantes protegeram os dois reinos, sem se aperceberem disso porque estavam sob controlo da deusa Zara.
O problema dos Felpudos, era esse, como ultrapassar este obstáculo e enviar peludos em quantidade para dominarem os reinos mágicos. Começaram a mandar dois ou três batedores de cada vez, viajando em pequenas canoas feitas de troncos de árvores exóticas de interior mole fácil de escavar. Uns chegavam outros não, dos que chegavam raramente conseguiam retorno, a ilha flutuante no seu perímetro de viajem regressava muito tempo depois, os espiões escondiam-se mas acabavam por não sobreviver. Não estavam preparados para lidar com as feras do continente encantado e eram com o tempo dizimados. Assim o tempo sem tempo ia passando!
Naquele dia os dois reis tinham partido para a pesca, queriam conversar em privado e segurança, exigiram ir sós. Os conselheiros bem os tentaram dissuadir, mas eles teimosos fizeram ouvidos de mercador.
O pequeno veleiro deslizava em boa velocidade e os dois soberanos velejavam com saber, um vento forte e constante ajudava. Partiram ao alvorecer de um pequeno porto encravado na fronteira comum. A bordo tinham mantimentos para bastantes dias se necessário, biscoitos, pão, queijo, e muita fruta, não esqueceram a água, bom sumo de laranja e chá.
Embora o vento fosse forte, não era época de tempestades, por isso os riscos não eram nenhuns, pensavam eles. Como é óbvio, a pesca era uma desculpa de mau pagador, eles queriam conversar e trocar ideias sobre os interesses de Branca e de Preta. Não queriam testemunhas, há muito que usavam esta técnica inteligente, mas todos sabiam o porquê, e outros porquês também, pesca é que nada.
O rei de Branca gostava de fazer poesia, o rei de Preto pintava de imaginação, ambos adoravam música, de tudo faziam uma sinfonia. Além disso, jogavam xadrez horas e horas sem se aperceberem de mais nada. O veleiro deslizava, deslizava, deslizava, a corrente ajudava e cada vez estava mais a norte. As horas foram passando, o dia engolido pela noite e esta depois pelo dia, assim se passaram vinte e quatro horas.
Então aconteceu jogarem uma partida particularmente renhida, a luta no tabuleiro durou mais um dia. Entretanto o veleiro navegava à sua vontade. O vento cada vez mais forte encaminhou o barco muito para norte ajudado pela corrente, também ela muito rápida. Sem darem atenção e sem intenção, quando deram por ela estavam muito longe do continente, não fazendo mínima ideia da distância. Estava a nascer o dia, eles bem olharam para o lado da Montanha Mágica, o céu estava com limpidez, mas nada viram. O rei de Branca exclamou.
- Estamos muito longe, a montanha vê-se quase do fim do mundo e ela não está no horizonte!
- Desta vez exagerámos.
 Respondeu o outro rei. Ao olharem no sentido oposto ao continente, viram começar a aparecer pouco a pouco uma enorme massa de terra.
 - E esta!
Comentaram os soberanos ao mesmo tempo.
 - Devemos estar a chegar a outro mundo.
Disse um dos reis.
- Nunca imaginei haver terra para este lado, será um continente ou um simples ilha?
Retorquiu o outro. Começaram a pensar que fazer, que riscos poderiam haver. A curiosidade foi mais forte que a prudência, decidiram visitar essa massa de terra, não antes de contornarem a costa.
- Parece que a terra se está a mexer como nós!
Disse um dos reis, o outro confirmou. Após várias investigações chegaram à conclusão que era uma ilha flutuante.
- Como é possível?
Disseram os dois em uníssono. A ilha não tinha grandes relevos, mas tinha densa floresta. Os reis velejaram até uma pequena enseada que tinha pouca profundidade de água e nessa baía desceram a âncora de madeira e pedra. Num bote dirigiram-se para terra. Tudo era luxuriante, flores nunca vistas por eles, árvores estranhas de grande porte e beleza, algumas quase com trinta passos na altura e quatro no diâmetro, era um belo jardim natural e uma floresta virgem. Parecia virgem mas não era… Entretanto os reis começaram a reparar que pares de luzes apareciam entre a folhagem, pensaram ser olhos de animais e eram! Eram os faiscantes pares de olhos dos Felpudos. Logo que puseram os pés na areia foram atacados, despidos e metidos numa gaiola, esperando aí a sua sorte.
Voltando ao salão, onde o sábio ia pensando, os conselheiros dormindo e os príncipes chorando. Dois homens mantinham-se na posição de sentido, atentos esperando que o velho dissesse de sua justiça. Era o nosso conhecido capitão Valente herói da cidade Preta e o comandante Bravura, herói da cidade Branca. Este cavaleiro, vivia há pouco tempo no reino, tinha vindo de paragens longínquas, chegara com semblante carregado de tristeza, nostalgia e saudade. Nunca se abrira com ninguém, muitos desconfiavam haver ali desgosto de amor. Comandante Bravura era um mistério, oferecera a sua bravura e dedicação à cidade Branca, em breve se transformara em herói local. Ninguém mais tentou desvendar o mistério da sua vida.
Entretanto o Sábio falou, pediu a todos para esperar. De seguida dirigiu-se sozinho para uma falésia junto ao oceano e perto do ponto de partida do veleiro. Deitou-se nas rochas, fazendo uma concentração tremenda mesmo para um mágico. Apelou a Zara sua neta deusa dos Logues. Após muito prolongado esforço foi atendido.
- Que se passa avô? Pareces atrapalhado. Assim falou a ruiva jovem de olhos verdes e longos cabelos.
- Preciso de saber aonde pára o veleiro em que viajavam os reis de Branca e Preta? Estamos todos preocupados!
- Isso é fácil avô, o veleiro está a muitos dias de viagem, atracado na Ilha Flutuante, lá para norte, mais não sei.
Após esta informação, ela desapareceu da mente do velho e ele voltou a si. Já entendia tudo, os reis tinham sido aprisionados pelos Felpudos. Estariam vivos? Pensou. Assim com partiu, chegou ao salão, envolto numa nuvem de fumo branco. Na grande sala todos estavam na expectativa.
Ao chegar, o Sábio disse aos conselheiros e príncipes que estava tudo bem, não abrindo o jogo. Tudo se iria resolver não se preocupassem. Depois chamou Valente e Bravura e fecharam-se numa pequena sala, com vista para o vasto oceano.
 - Então Sábio, quando avançamos com a acção?
Perguntou Valente que tinha mais confiança com o velho da Montanha Mágica.
- Amigos, os vossos soberanos devem ter-se metido numa enrascada, estão a muitos dias de viagem. Atracaram o veleiro numa ilha flutuante que se aproxima do nosso continente de anos a anos. Devem estar prisioneiros de uma raça estranha a que alcunhei de Felpudos, não sei se ainda estarão vivos, a minha neta Zara não me soube informar. Temos de lá ir com urgência!
Após uma pausa geral Bravura questionou.
- Mas como vamos? De barco será muito demorado! Que forças irão?
Valente ripostou.
- Podemos ir no nosso amigo dragão, mas só poderão ir meia dúzia de guerreiros. Será o suficiente para derrotar os tais Felpudos?
Por sua vez, Bravura acrescentou.
- Será que o dragão aguenta tão longa viagem, como poderá descansar no mar por causa dos Logues?
Assim falou por fim o Mágico.
- Com os Logues não se preocupem, eles são nossos amigos, minha neta é a deusa deles. Vamos os três no dragão e levamos também o nosso amigo urso que vale por dez homens. Chamem os nossos amigos, partimos ao alvorecer.
Ao raiar do dia, Sábio, Valente, Bravura, urso e dragão, partiram para uma jornada sem fim previsto nem desfecho. Era pena Caissa não estar presente, seria uma boa ajuda. Viajaram várias horas, por fim o dragão descansou sobre as águas do calmo oceano, de seguida após viajarem mais meia dúzia de horas avistaram a enorme massa de terra coberta por densa floresta. Lá estava o veleiro, rodeado por uma centena de estranhas criaturas.
Na areia da praia e perto da densa vegetação uma enorme jaula servia de prisão aos dois soberanos que na altura dormiam de cansaço. Os nossos amigos não se fizeram esperar, num ápice o dragão voou rápido para o local deitando fogo pelas ventas.
Os Felpudos foram apanhados de surpresa, mesmo assim tentaram uma reacção mas em vão. Valente lutava com denodo, cortando tudo com a sua espada, o urso em cada sapatada era um Felpudo que despachava, o dragão queimava as defesas inimigas, mas quem lutava com mais fúria era o comandante Bravura, com raiva incontida. Rapidamente como começou assim acabou a batalha, os reis foram libertados. O Sábio da Montanha Mágica fez forte critica aos soberanos, pela imprudência, afinal semelhante aquela dos príncipes na narrativa “O Regresso à Montanha Mágica”. De repente repararam que o comandante Bravura de joelhos chorava. A sua amada tinha sido assassinada por aquela raça maldita, há muitos anos no seu país distante!
FIM
José Bray 17/3/2012




sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A antecipação

A antecipação
João tinha uma entrevista para concorrer e tentar o seu primeiro emprego. Era uma excelente oportunidade. Ele tinha todas as condições para conseguir o seu objectivo. Era um rapaz culto, com boa presença e palavra fácil. Vestia com sobriedade e limpeza.
João estava feliz. Saiu de casa naquela manhã de Maio bem-disposto. O tempo estava ameno, nem calor nem frio. O sol brilhava sobre a cidade, dando um manto de prazer a todos que caminhava pelas artérias movimentadas. Gente a caminho do trabalho e das escolas.
O rapaz não apanhou o autocarro, decidiu caminhar através do parque, para apreciar tanta beleza. Pensou. – Tenho tempo, muito tempo!
Quando chegou à multinacional, empresa onde ia ser entrevistado, foi recebido com cordialidade por uma bonita funcionária.
Depois, a secretária do director dos recursos humanos, pediu-lhe para aguardar um pouco.
O João foi encaminhado para a sala de espera, onde ficou aguardando.
Passaram-se dez minutos. Um jovem bem aparecido saiu do gabinete do entrevistador. Vinha com ar feliz, que demonstrava num largo sorriso.
Mais cinco minutos se passaram, depois a secretária encaminhou o nosso rapaz até à porta do gabinete do director.
João entrou e foi bem recebido como manda a praxe.
Após as apresentações, conversaram sobre os mais variados temas. Via-se que o entrevistador estava bem impressionado com o rapaz.
Por fim dirigiu-se ao João falando sobre o tema principal: a entrevista de emprego.
- João, gostei muito de o conhecer e conversar consigo. Penso que o senhor tem todas as condições para esta vaga que nós vamos preencher.
Calou-se durante trinta segundos e continuou.
- Tem todas as condições, menos uma. A antecipação! O senhor chegou tarde à entrevista. O rapaz que saiu há pouco já conquistou o lugar. Além de ser capaz como o João, às nove horas já estava à porta do meu gabinete.
Depois concluiu…
- Se me permite um conselho, na sua próxima oportunidade, não se atrase. Faça uma jogada de antecipação!
15/06/2006




A borboleta branca e o café

A borboleta branca e o café
Era uma vez uma borboleta branca, muito bonita e bastante vistosa. Um dia, saiu da sua residência muito bem vestida no seu branco de neve.  Com graciosidade foi voando através da longa avenida repleta de árvores, relva e flores. Poisando aqui numa pétala de rosa ali numa folha de plátano. O tempo foi passando até que chegou a hora do vício matinal: tomar café. Entrou numa loja de ambiente estranho e pediu.
- Quero um café por favor…
O empregado um rato antipático, respondeu que não tinha café, então ela pediu um chá.
- Não pode ser menina borboleta, nós não vendemos café nem chá. Só vendemos cerveja, vinho e bagaço. Isto é uma taberna. Está interessada?
A borboleta disse que não, que não era alcoólica, saindo depois em grande velocidade.
Mais à frente entrou noutra loja e pediu o seu café, ou chá em alternativa. A empregada, uma simpática andorinha, esclareceu a borboleta.
- Minha senhora, aqui só se vende sapatos, este estabelecimento é uma sapataria.
A borboleta branca pediu desculpa e saiu à procura do seu café. Voou mais cem metros e entrou numa bonita loja. Após fazer o seu pedido, voltou a levar um não. Ali não havia café mas sim muitos livros, era uma livraria, mas também vendiam cadernos, canetas, lápis, borrachas, etc.: porque tinha secção de papelaria. Então, numa atitude de lucidez, a borboleta perguntou.
- O senhor mocho podia-me informar aonde posso ir para tomar um café?
- Com certeza linda menina, voa até ao fim da avenida e do lado direito está uma pastelaria: tem bom café e deliciosos bolos.
A borboleta agradeceu a simpatia do senhor e rapidamente foi até ao extremo da importante artéria. Ao chegar ao fim da avenida dirigiu-se à loja, mas qual não foi o seu espanto, lá não havia café mas sim medicamentos: estava numa farmácia. Falou com a doutora abelha.
- Mas disseram-me que havia café no fim da avenida à direita…
A senhora com sorriso irónico esclareceu.
- Mas linda senhora, aqui é a esquerda, enganou-se, a direita é do outro lado.
- Ai cabeça a minha, obrigada e desculpe.
Rapidamente atravessou a larga avenida. Finalmente ia beber o mal fadado café da manhã. Mas qual não é seu espanto e tristeza, a pastelaria estava encerrada.
- Bolas, bolas e bolas!
Disse a branca e vistosa borboleta começando a chorar. Chorou, chorou, chorou…
De repente, sentiu um bater de asas e uma voz de tenor soou no seu ouvido.
- Menina bonita, não chore. Que se passa?
Olhou, a seu lado estava uma borboleta preta, que após saber o que se passava lhe disse.
- Jovem, hoje é o dia de descanso do pessoal, por isso a pastelaria está encerrada.
Após um prolongado olhar, continuou.
- Não esteja triste. Venha a minha casa que eu ofereço-lhe um bom café.
A borboleta branca não se fez rogada, aceitou sem hesitar. Lá foram para casa da borboleta preta que era um macho.
A borboleta branca bebeu muitos cafés e nunca mais saiu de lá. Casaram, foram felizes e reproduziram-se em muitas borboletinhas, brancas e pretas.
FIM
Comeira, 29 de Agosto de 2000
Nota: estória contada ao meu neto Daniel: tinha ele seis anos.
José Bray

Nota: 27 de Outubro de 2014. Não recordo ter passado para o Word, por isso o faço hoje, após ter encontrado há dias o manuscrito. Esta estória teve a intenção didáctica de explicar algumas coisas ao Daniel. Foi contada de invenção no momento. Depois é que a meti num A4 quadriculado.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O Mestre e o Aprendiz

O Mestre e o Aprendiz…
Eram dois companheiros de jornada, o mestre e o aprendiz.
A jornada era longa, diremos mais, era o somatório de muitos caminhos, de muitas estradas. Pontualmente, durante a longa viagem outros camaradas os acompanharam. Hoje um, amanhã dois, depois três, para de seguida voltar a ser um só. Foi assim dia após dia, mês após mês, ano após ano. Uns desistiam, outros mudavam de rumo, alguns dormiam na caminhada por um período e outros para sempre.
O mestre sabia tudo! Pensava o aprendiz. Mas bem lá no fundo o mestre sabia pouco. Curiosamente nem a filosofar era forte o sábio. O seu saber, em parte, era ousadia da ignorância.
Por sua vez, o aprendiz, que não sabia nada, mas na verdade até sabia alguma coisa, estava atento a tudo o que o mestre fazia. O jovem também se interessava por tudo o que os outros, menos sábios diziam e aplicavam. Por outro lado, não fugia a experimentar melhor local para pôr os pés, estudando livros e mapas para melhor aproveitar os ensinamentos.
Os anos passaram, por outros caminhos outros mestres apareceram, todos muito sabidos, mas pouco sábios. Alguns caminhavam pesados no pensar e difíceis no diálogo.
Alguns eram mestres potenciais e bons andarilhos, mas incómodos para os mestres sem mestria. Estes mestres potenciais acabavam por preferir mudar de rota.
O nosso aprendiz foi sempre evoluindo, avançando em passo certo pela estrada: por fim, de aprendiz já nada tinha mas preferira que fosse considerado sempre um aprendiz.

Hoje, o jovem aprendiz de outrora é um excelente mestre. Por sua vez os antigos mestres do passado são como borboletas que voam de nenúfar em nenúfar. Nada entendendo do verdadeiro caminho percorrido pelo ex aprendiz.


 Marinha Grande, 5 de Julho de 1997
José Bray

Alguns esclarecimentos. Vasculhando textos versando sobre gestão, encontrei “O Mestre e o Aprendiz” que transcrevo acima. É uma metáfora, que precisei de pensar para recordar porque a escrevera. Trata-se do meu percurso no mundo do trabalho, qualquer pessoa entende, mas tem nuances que respeitam a outras pessoas. Trata também de um saber específico, a metalurgia, área a que me dediquei com vontade de saber. Fala de gente que pouco sabia da matéria, mas que armavam. Fala de gente que se estavam borrifando e fala de alguém que era bom, mas que o sistema tramou.
José Bray, 7/11/2014

Algumas frases que gostei de reencontrar:
Os maus clientes desviam recursos e tempo que devem ser dedicados aos bons clientes. Bray, 4/12/96
A arte não existe sem os pequenos detalhes, as empresas também não. Bray, 4/12/96
Uma empresa tem de ter “valores”, exactamente como as pessoas de bem! Bray, 4/12/96
Trabalhar em equipa é: todos serem líderes, servidores e sofredores. Cada um desenvolver os seus dons e confiar nos outros. Bray, 7/5/97


terça-feira, 4 de novembro de 2014

A Escola e o Pobre!


A Escola e o Pobre
Parte I - O princípio
O mês de Setembro estava a chegar ao fim. Naquele ano da década de cinquenta, na  escola recem inaugurada, os professores sobre a orientação do director,  o doutor Aníbal Bajouco, estavam reunidos para tratar de diversos assuntos.
A certa altura o director abordou um tema que criou alguma celeuma. 
- Meus senhores, caros colegas: vou começar a quarta classe com quase quarenta alunos. Trinta de bom nível social, dez de famílias muito pobres e disfuncionais. Uma coisa vos garanto, os rapazes de fracos recursos vão ter muita dificuldade em ter aproveitamento para poderem fazer o exame da quarta. No que respeita à admissão ao liceu, nem pensar: não vão conseguir! O que vale é que nenhum se vai inscrever nesse exame, porque o seu destino será uma oficina, marçano ou para as obras…um ou outro vai desistir e cair na vadiagem.
Assim falava o professor director daquela escola primária (situada no extremo do bairro de Alvalade), perante uma plateia de professores. Uma jovem docente com ideias progressistas, chegada há um ano ao ensino, tentou fazer um contraditório.
- Mas senhor director: não quero, contrariar a sua tese, mas não será que um, ou outro rapaz, venha a distinguir-se se for bem apoiado? A inteligência é exclusiva das classes dominantes? Penso que não!
Logo um professor de cabelo untuoso, barriga de calão e carácter subserviente, achou-se na obrigação, desnecessária, de apoiar as ideias do professor sénior, chefe daqueles professores que compunham a pequena plateia.
- Lá vem a menina com as suas ideias “pra-frentex”, para não lhe chamar outra coisa. O senhor director sabe bem do que fala. Também lhe digo…
O Director, que até não simpatizava com aquele professor, interrompeu o paleio do mesmo, antes que o outro dissesse alguma inconveniência.
- Calma Raposo, onde foi descobrir esse calão do pra-frentex? Digo-lhe já que não gostei nada, ainda mais vindo de um professor da minha Escola.
O homem corou e mais parecendo um tomate maduro, pensou. – Era melhor ter ficado calado.
- Professora Celeste, a menina ainda é muito inexperiente por isso o seu idealismo. Não sou só eu que tenho esta opinião sobre os alunos das classes desfavorecidas da nossa sociedade. Claro que me baseio na minha longa vivência. Através dos meus quase cinquenta anos de ensino, passaram por mim muitas turmas e milhares de alunos. Os catedráticos na matéria são todos da minha opinião, incluindo o nosso grande guia: na parede está a sua imagem.
O Mateus, professor de meia-idade, há muito queimado pelo sistema, para o qual se estava nas tintas, achou por bem fazer uma graça, própria do seu cinismo e espírito anárquico.
- Desculpa lá Bajouco, estás a referir-te à imagem da foto ou à imagem do crucifixo? Estão ambos na parede...o guia espiritual e o outro.
A plateia a custo susteve o riso. O director fingiu não ouvir, estava habituado aos dislates do Mateus. Com aquele não havia nada fazer, era um bom professor, simpatizava com ele: achando até graça ao seu humor negro.
- Podem pensar que faço discriminação: não meus senhores. A verdade é: a pobreza não é boa conselheira, os pais são incultos, alguns mesmo analfabetos, o alcoolismo nas famílias também motiva atraso nos miúdos. Mais coisas haveria para focar, mas para terminar; é fundamental criar um mecanismo de auto estima nos rapazes. Podem pensar que não é importante mas é.
Mais uma vez o Mateus se manifestou.
- Concordo com quase tudo que disseste Bajouco, em especial na questão da auto-estima. Experimentem vir para a Escola, esfomeados, rotos e descalços e depois venham-me dizer o que sentem. Não é Celeste, não é Raposo? Mas Bajouco, não aceito que um pobre não possa ser um aluno superior, mesmo não tendo dinheiro para as explicações, que é um dos vossos problemas.

Todos embatucaram, só Celeste sorriu pensando. - Este colega é um porreirão, vou gostar dele…
- Vai agora começar o ano, vamos observar e depois no fim comentamos. Vai uma aposta Mateus? Um almoço para todos os professores? …
- Aceito Bajouco! Mas muito antes vamos tirar conclusões…
- Está combinado: agora meus senhores: vamos à vida.
Com isto o professor doutor Aníbal Bajouco director daquela escola de Alvalade, deu como encerrada a reunião. Dentro de dias, oito de Outubro, iniciava-se o ano lectivo.
Parte II - Primeiros dias
Sou o Manuel Luís Teodoro, filho de pai incógnito e mãe solteira com quem vivo. Hoje comecei as aulas na Escola 112 que fica no extremo do Bairro de Alvalade. As instalações foram inauguradas no ano lectivo anterior, são modernas e muito diferentes das escolas, tipo Estado Novo. Anteriormente frequentava a 33 que ficava mais perto do Campo Grande, mas como mudámos para um quarto na avenida Dom Rodrigo da Cunha, fui transferido para a 112 neste ano lectivo que agora começa.
Todos os dias vou muito constrangido para as aulas. Somos muito pobres, por isso ando muito mal vestido e nos pés os ténis de baixo custo estão rotos. A roupa muito usada e com remendos, está acatitada e não tenho agasalho para o frio. Para completar o ramalhete, ando com a trunfa crescida, que é sinal de pobreza. Todos os dias faço das tripas coração para não desistir de ir para a Escola. Esta cena aconteceu quando andava na segunda classe, quando saia de casa no lugar de ir para a 33, ia para uns terrenos jogar à bola com outros miúdos pobres como eu.
Na minha nova turma da quarta classe, estão trinta e nove alunos, quase todos ricos. Se calhar muitos são só remediados, mas para mim são abastados. Meia dúzia é como eu, pobres, sujos, mal vestidos, mal calçados, e mal-educados. Devo ser o que menos tem, mas não sou sujo nem tenho falta de educação: minha mãe não admitia.
Em relação aos outros pobres, tenho algumas vantagens: sou simpático, não conflituoso e bom aluno. Ser bom na escola é a minha arma para ter coragem para batalhar com a pobreza.
O meu mestre é velhote, chama-se Bajouco e é simultaneamente director da Escola. Nesta há oito turmas, duas por cada um dos quatro anos. Para lá do alto muro, fica a área das raparigas. Não as vemos, só nos exteriores, mas elas saem a horas diferentes para evitar os encontros de sexo oposto. Há mais sete professores, sendo três homens e quatro mulheres. Ainda não os conheço…
Gostei já de alguns colegas e não embirrei com nenhum. Eu, mais os outros pobres fomos colocados nas últimas carteiras e o professor mal olhou para nós. O senhor Bajouco, disse ser provisório, porque a distribuição dos lugares em breve seria por mérito. Só não percebi o critério inicial: ou percebi?
Não quero falar mais da pobreza, mas sou obrigado a isso. Como não tinha dinheiro para os livros, cadernos, lápis, borracha, etc., os mesmos foram fornecidos pela assistência social. Os livros estavam podres de velho, mas a antipática funcionária da secretaria, ainda recomendou com maus modos: - não quero os livros estragados!
Ao almoço e como não podia deixar de ser,  os carenciados iam à sopa dos pobres.

Parte III - Meses depois
Continuava pobre, mas ia sobrevivendo, o meu orgulho dava-me forças para suportar o meio ambiente, agora já tinha aliados na pessoa de meia dúzia de colegas e de dois professores. Estes eram: a professora Celeste e o professor Mateus: ela, simpática e linda, ele, mau feitio mas irónico, muitas vezes a dar para o cómico. 
Após as aulas começarem, o mestre pôs a rapaziada a fazer testes sobre a matéria da terceira classe. Para seu espanto o melhor conjunto de testes foram os meus. Talvez contrariado, lá colocou a malta pela classificação dos testes, por isso fiquei na primeira carteira, sendo o meu camarada o Carvalhosa, rapaz obeso, sem beleza mas simpático. Fiquei Satisfeito! Os restantes pobres continuaram no fundo da sala, inclusive dois abandonaram entretanto a escola.
Nas semanas que se seguiram à abertura das aulas, o mestre deu bastante matéria, apertando com todos. Com todos não, com os pobres o professor, não forçava muito. Depois seguiam-se testes e mais testes. Ficava sempre em primeiro, o segundo é que variava.
Dos camaradas pobres como eu, recordo bem dois: um com quase catorze anos, revoltado com a vida, vingava-se nos mais pequenos: o outro, rapaz pequeno, tinha a alcunha do ciganito, era um bom futebolista, por isso era sempre convidado para as partidas dos meninos de bem, tinha bom feitio e era muito sociável. Gostava muito dele, sempre que podia ia comigo para a minha Avenida brincar com a minha seita.
Por várias vezes fui obrigado a intervir em defesa dos meus amigos quando atacados pelo camarada do bairro da lata, que ficava a trezentos metros da escola. Devido a isso fiz muitos amigos entre os meninos ricos.
No Natal desse ano em que não tive prendas nem roupa nova, tive uma prenda na Escola. Fui recitar um poema de Camões, ensaiado pela bonita professora Celeste. Foi um êxito! Todos bateram muitas palmas.
Durante o beberete, fui muito elogiado, até a antipática da secretaria me veio dar um beijo. Em certa altura ouvi por acaso uma boca do Professor Mateus, dirigida ao meu mestre. – Meu caro Bajouco, vai preparando a massa para o almoço, porque a aposta está perdida. – Que seria, pensei?
Parte IV - Quase no fim do ano
Com a minha continuada pobreza, o ano foi chegando ao fim. O corpo crescia, mas a roupa não, o que valia é que o calor apertava e qualquer trapo servia para fazer uns calções ou uma camiseta.
O professor foi dando e bem a matéria, era realmente competente. Os testes continuaram e eu sempre na frente: o segundo, terceiro e quatro lugares, iam alternando. Em todo o ano só houve uma semana que não fui o primeiro. Vou contar…
O professor era um homem calmo, nunca se excitava nem ralhava alto, nem com os mais reguilas. Dava reguadas em algumas situações, mas não exagerava. Nunca me tratou mal, mas olhava para mim com um certo desprezo. Um dia num teste tive dois erros numa palavra, não sei como fiz aquilo, normalmente nunca dava erros. O Bajouco, chamou-me e deu-me quatro reguadas. Senti que ele ficou feliz, porque falhei! Saí nesse dia muito por baixo. Foram os amigos que me vieram consolar, em especial o ciganito e o Carvalhosa. O ciganito, então fez-me chorar e rir com o seu comentário. – Manel, então eu que passo a vida a levar reguadas ainda aqui estou, para a semana voltas ao primeiro lugar.
Na verdade, assim foi, mas nunca mais pude ver com bons olhos o meu professor.
A amizade, com os meus camaradas, foi o mais gratificante da minha quarta classe. Tinha já lido e relido vezes sem conta “O Coração”, um clássico da literatura juvenil. Obra que todas as crianças e adultos deviam ler. Todas as personagens do livro, as encontrava na minha turma: pela vida fora nunca mais me saíram do pensamento. Os amigos eram muitos, mas a amizade com o Carvalhosa, ultrapassou tudo e todos. Curiosamente no decorrer do ano lectivo a amizade alastrou ao seu irmão, pai e mãe.
E assim cheguei ao fim do ano. Fácil foi passar com distinção, eu o mais pobre era o melhor aluno!
Parte V - O fim.
Tudo o que começa chega ao fim. Mas quero ainda contar alguns pormenores desta estória que aqui conto. Entreguei à personagem principal a fala directa das partes II, III e IV, para ele com palavras suas contar o seu ponto de vista. Manuel, por respeito a sim próprio não quis expor-se muito. Mas eu vou fazê-lo, porque o leitor tem o direito de saber tudo.
É fácil de confirmar que o director Bajouco estava enganado, perdeu a aposta, por isso pagou mesmo o almoço aos outros professores: o Mateus não perdoou.
No fim do ano lectivo, na festa final, o Manuel Luís Teodoro foi a estrela, ao recitar diversos poemas de Camões, Antero e Florbela, tudo ensaiado pela professora Celeste. O rapaz, humildemente vestido, ofuscou tudo e todos. Ele era efectivamente o mais pobre de todos os miúdos que andaram naquele ano na Escola 112.
As quatro reguadas que Manuel apanhou e tanto o feriram na sua dignidade, foi um acto cruel do professor Bajouco, por sentir que ia perder a aposta e ver que a sua teoria caía por terra ao não poder impedir que o mais pobre fosse de longe o melhor aluno da turma.
Mas ainda quero narrar mais um episódio que o próprio Manuel não quis contar.
Naquela época, em especial nos centros com mais poder económico, os professores, quando davam a quarta classe, aproveitavam para dar explicações aos seus alunos para os preparar para o exame de admissão ao liceu. Com isso facturavam uma boa nota.
O professor e director da 112 não fugia a essa regra, ainda por demais numa zona em que ninguém deixava de mandar os miúdos à explicação, só não iam os pobres, mas esses também não iam ao exame de admissão.
Essas explicações eram um conto do vigário aceite por quase todos. Uma criança preparada para o exame da quarta estava preparada para a admissão ao liceu. As explicações eram uma falácia.
Mas o Manuel quis ir a exame, sabendo que não precisava das explicações para nada. Contudo sua mãe, como sabia que os outros iam às explicações, sentiu-se na obrigação de dar uma satisfação ao professor do filho: dizendo que o Manuel não podia ir às explicações porque ela não podia pagar.
Que fez o Bajouco? Disse à pobre mãe.
– Vocês não se querem sacrificar pelos vossos filhos, depois não se admirem se tiverem uma surpresa.
Grande sacana: deixou a pobre senhora ir com a coração a sangrar, quando sabia que o Manuel não precisava e até era uma estupidez ele ir às explicações. Ele tinha a obrigação de fazer exactamente o contrário, deixar a senhora descansada.
Sabem o que aconteceu? O Manuel foi fazer a admissão ao liceu no Luís de Camões. Entre muitos milhares, foi um dos melhores aluno, senão o melhor.
Por educação o Manuel não conta isto no seu relato, mas nunca perdoou ao seu professor da quarta, que por curiosidade até era parecido com o guia da nação.
Para terminar, quero só escrever mais umas linhas. Estávamos em pleno Estado Novo, anos cinquenta.
Sabem que aconteceu a seguir a este estudante brilhante? Uma ironia! Não pode estudar devido à mãe solteira não ter meios económicos.
Meus senhores, isto sim: era a merda do Salazarismo!
José Bray, 19/7/2014


Nota: esta narrativa (verdadeira) é uma homenagem aos meninos pobres do Estado Novo, que não podiam estudar por não terem meios e porque tinham de ir trabalhar para ajudar no agregado familiar. Depois havia os meninos pobres e muito inteligentes. Para estes então, era uma dupla injustiça.