quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O foguetório


Na aldeia a festa prometia ser rija. Comida e vinho não iam faltar, nem doces, cafés e aguardentes. Musica com muito folclore também não.
Por todo o lado viam-se emigrantes vindos de todas as partes do mundo e gente de Lisboa. O Mordomo (1) andava feliz, tudo estava a correr bem… a certa altura gritou.
- Felisberto, Felisberto! Chegou a hora de começar o foguetório. Vai homem e dá fogo à peça.
O tal homem, meio coxo, meio marreco, meio pateta, apareceu ao chamamento.
- Sim Mordomo, vou já tratar disso. Não posso ir a correr, estou cansado devido a ter andado toda a tarde a apanhar as canas.
- Apanhar canas num dia de festa? A propósito de quê? É coxo, marreco tonto e deve estar mais que bêbedo. Apanhar as canas hoje? O homem é mesmo anormal.
Assim pensou o gordo Mordomo, mas não ligou porque o homem era mesmo tontinho e ainda por cima andava sempre em vinha-d’alhos. Como o infeliz tudo fazia de borla e era burro para toda a carga e todas as tarefas, o Mordomo aguentava todas as suas asneiras. Enfim, o Felisberto era um explorado!
O tempo passou e foguetório? Nada, nem um estalinho. O Mordomo admirado foi até ao local de lançamento dos foguetes.
Lá, o Felisberto chorava, entre os vapores da bebida e a sua loucura. O Mordomo, vermelho pela fúria inquiriu.
- Que se passa homem de Deus?
- Mordomo, meu Mordomo, os foguetes não sobem porque não acendem. Não sei o que aconteceu. Ainda esta manhã experimentei-os todos e estavam todos bons. À tarde tive tanto trabalho para encontrar e apanhar as canas e agora não querem funcionar.
O Mordomo se tivesse uma caçadeira naquele momento haveria na aldeia um Felisberto transformado em peneira. Mas assim que remédio, teve de aguentar.
Uma coisa foi certa. Nesse ano na festa da aldeia não houve foguetório. Quem manda dar essa tarefa a um tolo… só para poupar uns escudos?
Bem feito!
Comeira, noite de ano novo 2014/15
ZM
1 - Mordomo dono da Festa. Todos os anos é eleito um para organizar os próximos festejos.



Respirar


Por vezes não me apetece respirar, mas sou forçado a fazê-lo, senão posso sufocar. A natureza obriga-me a isso.
Por vezes nada tenho para escrever, nem sequer me apetece. Mesmo sendo o vício forte, a vontade não tem força ou seja não há força de vontade.
Mas sem querer, compulsivamente sou levado a escrever, exactamente como sou levado a respirar.
Não quero que me exijam nada de brilhante na minha escrita, ela é feita para eu poder respirar.
Depois, talvez por sorte saia algo de bom, com algum cerne, ou seja algum tutano.
Eu sei: quando parar de respirar vou deixar de escrever. Mas também sei: se parar de escrever vou ficar sem ar, porque vou deixar de respirar.
A minha escrita é a minha respiração, sem ela não sobrevivo, como aconteceu num passado recente com o Xadrez e num passado distante com as Damas.
Lisboa, 27/12/2014

ZM