terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Pai Natal oportunista!

A menina estava à janela do seu pequeno quarto, seu e do irmão João menino de cinco anos. A casa era da sua avó Gertrudes, uma velhinha com quase oitenta anos. Era noite de natal, enquanto a avó fazia as filhoses e o João brincava com as molas da roupa seu brinquedo favorito, Ana foi para a janela sonhar com uma possível prenda dada pelo Pai Natal. A menina de oito anos ainda acreditava. A noite embora muito fria estava límpida, as estrelas cintilavam na abobada celestial e a lua ria-se para Ana fazendo caretas ao mesmo tempo. Os pais das crianças há muito que tinham partido para uma longa viagem. Isto era o que a avó dizia, mas a Ana sabia que eles não voltariam nunca, tinham falecido devido a uma epidemia que assolara a região. De toda a família só sobreviveram os dois irmãos e a avó materna. Ana nunca disse ao irmão o que sabia. Para quê fazer sofrer o rapazinho que só tinha cinco anos. --Ana, anda para a cozinha que aqui está quentinho. Sai da janela rapariga, ainda te constipas. --Avó, o céu está lindo, a lua está a meter-se comigo. Já vou! --Avó, posso comer um frito? --Ainda não João, estão muito quentes. Vem para o pé da avó. Felizmente, aquela família embora pobre, não passava necessidades básicas. A velhota tinha alguns meios que geria com parcimónia para garantir a sobrevivência dos seus amados netos até eles poderem voar por si. Gertrudes pedia todos os dias a Deus que lhe desse anos de vida para cumprir a sua tarefa. Alimentação e roupa as crianças tinham, mas brinquedos não, era um luxo no pensar da avó. Uns livros para eles aprenderem e pouco mais. As crianças com a sua imaginação inventavam os seus brinquedos. Ana sonhava com uma grande boneca e o João com um trem de ferro. Brinquedos que eles viram há dias numa loja da vila quando a avó os levou ao médico para tomarem as vacinas contra a gripe. Algum tempo após a o chamamento da velhota, Ana decidiu-se a sair da janela, mas antes deu mais uma olhadela ao céu lá para os lados do pólo norte. Subitamente reparou numa estrela cadente que atravessava o espaço na sua direcção, num passeio nunca terminado. As estrelas cadentes não funcionam assim, pensou a miúda habituada a assistir ao fenómeno. Cada vez estava mais perto as luzes e agora já ouvia o som de muitos guizos. Confirmou que não era nenhuma estrela, mas sim um trenó todo iluminado puxado por seis grandes renas. O trenó cheio de grandes sacos era conduzido por um velhote gordo de longas barbas e vestido de verde azeitona. Ana bateu as palmas de contentamento a que se juntou o mano João. Afinal o Pai Natal sempre veio! Ana já se via abraçada à sua boneca. --Boa noite meninos! Que fazem ao frio? --Estávamos à sua espera Pai Natal, mas pensávamos que chegava mais tarde. Entretanto a avó Gertrudes juntou-se ao grupo, incrédula pelo que estava a ver. --Trás os nossos brinquedos? -- Não meu menino, não venho a contar convosco. Não estão na lista dos brinquedos. A resposta do velho caiu como uma bomba, as crianças perderam a alegria e pouco faltou para começarem a chorar. --Desci e parei na vossa casa para pedir ajuda, tenho uma rena doente, muito constipada. Precisava de um chá de limão muito quente e um comprimido forte. Minha senhora por acaso pode ajudar-me a tratar o meu animal? --Sim Pai Natal, terei o maior prazer. Entre que vou já ferver a água. Aproveite para tomar um leite quentinho e comer umas filhoses. O ancião aproveitou a oferta, bebeu leite de cabra e deglutiu seis filhoses, a rena com o chá de limão com mel mais um comprimido forte, recuperou da constipação. O velho preparou tudo para partir e recomeçar sua imensa tarefa. --Obrigado minha senhora, vamos embora porque a minha rena já está boa. As filhoses estão uma maravilha. Deus há-de de lhe dar a paga. As crianças que me desculpem, mas não trago brinquedos a mais. Adeus e bom natal. Aparelhada a rena recuperada, luzes acesas e os guizos tocando o trenó elevou-se aos poucos e desapareceu no horizonte a caminho da cidade dos ricos. A boa anciã ficou perplexa com a atitude do Pai Natal. Ana e João chorando perderam a fé que tinham no velho das barbas brancas e cara bonacheirona. Gertrudes abraçou e beijou os netos tentando animá-los pela decepção apanhada. Sempre sorrindo foi cantando uma canção de amor e fazendo sem parar festas às suas crianças. --Meus queridos vamos à ceia, chamem o cão e o gato para nos fazerem companhia. Depois vamos comer filhoses e beber leitinho. A avó também tem chocolates para comermos. Ana e João lá animaram e foram para a cozinha. Duas horas depois com a barriguinha cheia, foram todos com uma botija de água quente para cama. Mas antes a Ana perguntou à velhota. --Avó, pomos na mesma as meias na lareira? Acha que merece a pena? --Ponham sim queridos, pode ser que aconteça um milagre. Pode ser que o Pai Natal tenha um rebate de consciência. Finalmente a casa ficou em silêncio, só se ouvindo o crepitar do lume na vasta lareira da cozinha. De manhã, após o galo cantar e várias vezes tornar a cantar, Ana e João levantaram-se e ainda estremunhados foram até à cozinha. Dona Gertrudes já lá se encontrava preparando o pequeno-almoço para os netos. Foi então que as crianças repararam nos embrulhos que estavam na lareira, dentro das meias penduradas na noite anterior numa réstia de esperança. Uma expressão de felicidade estampou-se no rosto dos manos. Ao abrir o embrulho Ana deu pulos de alegria ao abraçar a sua boneca. Por sua vez João bateu as palmas de contente antes de pôr a funcionar o seu trem feito em ferro com todos os pormenores de uma máquina a sério. Afinal o Pai Natal sempre se lembrara deles, assim pensou feliz a menina. A um canto da cozinha na leve escuridão com o cão e o gato ao lado, dona Gertrudes sorria. Nunca diria a verdade aos netos, era bom manterem o mais possível a fé no Pai Natal, mesmo sendo este um oportunista. Yarb, 11/12/2012
Dedicado ao menino Alexandre nascido em 2012!

1 comentário:

  1. Sem fantasia e sonho era impossível ultrapassarmos o que nos rodeia. Há que acreditar no Pai Natal e nos nossos sonhos.

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