Era a época do rabisco da azeitona. Na minha aldeia, as pessoas válidas sem trabalho, iam quase todas para essa tarefa. Idosos, desempregados e sobretudo crianças. Cada um com o seu cesto, lá iam os miúdos a partir dos cinco e seis anos, rabiscar.
Estava nessa altura em casa do Zé Mosca, irmão da minha avó materna. Período marcante da minha vida de criança. As memórias dessa época são já em razoável quantidade. Recordo-me dessa tarefa feita todos os anos. Também havia o rabisco da uva, mas a sua importância era insignificante e na verdade confundia-se com as vindimas. Essas sim cheias de carisma.
Mas voltemos às azeitonas. O rabisco era importante para a economia das famílias pobres. Após o rabisco as azeitonas eram levadas ao lagar, depois recebíamos azeite em contrapartida ao produto entregue.
Um dia com o cesto na mão, desci a ladeira da igreja até à estrada principal. Depois segui no sentido da Abrunheira até à ponte romana. Os quatro plátanos, dois de cada lado da estrada, lá estavam imponentes e lindos como sempre. Virei à direita e acompanhei o rio da Várzea durante duas centenas de metros, no sentido da nascente. Depois atravessei as vinhas até ao olival.
Caminhei até lá, brincando com tudo que aparecia. O dia estava lindo, frio, mas o sol a partir de certa hora aquecia tudo um pouco, sabia mesmo bem. Curiosamente ia sozinho, não devia ter mais de sete anos feitos há pouco. Mas na aldeia era assim, os garotos começavam muito cedo naquelas lidas. O primo António Luís, costumava andar comigo, mas naquele dia não ia, devia ter outra tarefa.
Junto às oliveiras comecei a minha missão. As azeitonas já escasseavam, o trabalho ia durar muito. Enfim lá fui fazendo o que podia, de vez em quando olhava para a Ermegeira, lá estava a casa do tio Zé, sede da música, a capela, o monte com o moinho, através do arvoredo via-se o telhado da quinta. A minha aldeia era uma terra maravilhosa, própria de um conto de fadas.
De repente parei. Na base de uma imponente oliveira, vi um enorme avental preto, estava gordo com o seu conteúdo. Aproximei-me e espreitei, gloriosa visão, estava cheio de azeitonas. Olhei em volta, não vi ninguém, pumba, despejei até encher o meu cesto. A seguir desandei rápido, não chegando a ver a dona do avental. Com passo apressado avancei rápido para casa do tio Zé.
Sem parar, mudando o cesto de mão,por diversas vezes devido ao peso, lá cheguei ao pobre casebre, em menos de dez minutos. A minha tia ao ver-me chegar ficou admirada, por ter conseguido tanto rabisco em tão pouco tempo. Sorriu, fez qualquer breve elogio e lá continuou no seu lidar. Nesse dia subi uns pontos na sua consideração.
À tarde fui brincar com a rapaziada para o centro da aldeia, defronte da casa do tio Mário. Quando não é o meu espanto, uma velha bem conhecida estava a falar com outras mulheres. Toda enervada, contando que lhe tinham roubado as azeitonas. Fazia insinuações e ameaças, rogando pragas a torto e a direito e eu a ver e a ouvir calado, e amedrontado, mas nunca me desmanchei.
A velha era só, vejam lá, a bruxa oficial da Ermegeira. Fraca bruxa porque não adivinhou quem a tinha roubado.
José d' Barcellos, 25 de Janeiro de 1999
Peço desculpa à nossa bruxa, esteja ela onde estiver! Foi uma maldade, mas teve graça.
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