domingo, 29 de dezembro de 2013

A joaninha da romãzeira

A joaninha da romãzeira

Era uma vez uma joaninha que vivia numa romãzeira. Era feliz, ninguém implicava com ela. Mas um dia… apareceu um menino e uma cadela e nunca mais a deixaram em paz. Ela bem se escondia debaixo das folhas, mas se não era o menino era a cadela que a descobria. Por essa razão a joaninha decidiu partir, preparou a mala colocou os óculos de sol e lá partiu com destino incerto. O menino e a cadela ficaram muito tristes e prometeram que não mais incomodariam as joaninhas que aparecessem.
Passaram os dias e as noites também, no jardim da casa os vários insectos pulavam de árvore em árvore de folha em folha. Eram abelhas, vespas, besouros, moscardos e mosquitos. a joaninha é que não.
O menino decidiu pedir ajuda ao avô, que por sinal era um druida disfarçado. O velhote foi falar com a rainha das joaninhas e depois de alguma argumentação convenceu sua majestade. No dia seguinte a romãzeira estava cheia de belas joaninhas.
O menino e a cadela ficaram muito contentes e nunca mais incomodaram as joaninhas.
Foram felizes para sempre.

Marinha Grande, 30 de Agosto de 2000
José M. Bray
Dedicado ao meu neto Daniel Bray de seis anos, uma das coisas boas na minha vida!


Nota: Ao dar a volta a manuscritos antigos, encontrei este conto com que entretinha o meu neto no verão de 2000, tinha ele seis anos. Não resisti em metê-lo no blogue!

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Natal no Asilo

Natal no Asilo
“Quando eu penso no meu futuro não esqueço o meu passado. Penso no futuro, penso no passado mas vivo o presente! Este texto abaixo tem o sentir de uma triste realidade, o drama da terceira idade”.
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O dia estava no fim, os velhos recolhiam aos poucos aos seus aposentos, uns iam em cadeira de rodas, outros de canadianas, mais uns tantos de bengala, mas também havia alguns que ainda usavam as suas pernas embora tremelicando como canas num canavial. Nos quartos estavam os que nunca saíam a não ser para a viagem final, olhavam para tudo, nada vendo com suas vistas vazias e babando-se continuadamente.
Era noite de Natal, o jantar tinha sido um pouco reforçado, terminando com filhoses para todos, enviadas por uma benemérita. A acompanhar um café fraco ou um chá conforme o gosto de cada um, alguns dos velhos receberam um golo de aguardente. Mais tarde os que podiam sair dos quartos e camaratas iam assistir à missa do galo, beber um pouco de leite e comer uma fatia de bolo-rei oferecido pela mesma benemérita a senhora das filhoses.
Muitos esperavam ter visita no dia seguinte, mas só poucos teriam essa sorte. A maior parte destes idosos vindos de gente pobre, ao terem deixado de ter utilidade aos filhos e aos netos eram despejados naquela vetusta instituição fundada no tempo da rainha dona Amélia.
Mal eles sabiam que estava para acontecer dois momentos de grande alegria para eles, um nessa noite e outro, depois do almoço de Natal. Mas não vamos ainda esclarecer o mistério.
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Nas águas furtadas daquele prédio, quatro jovens estavam trabalhando arduamente, eram estudantes que decidiram não ir a casa para cumprir uma promessa feita ao director do Asilo.
Asdrubal e o Ochoa eram dois estudantes da Escola das Belas Artes, vivendo com as namoradas nas águas furtadas de um prédio velho no centro da cidade. Os quadros jovens eram prendados, Asdrubal escrevia, tinha muita imaginação, sua companheira cantava bem e queria seguir canto, Ochoa era um talento no desenho, por sua vez a sua querida queria ser actriz e sonhava dia e noite com teatro.
A água furtada era uma enorme sala,  com uma mini cozinha e um minúsculo WC que completavam o espaço. A sala era dividida por um pano preso por molas da roupa a um cordão de nylon que atravessava a sala fazendo duas divisões, um quarto para cada casal. A privacidade era quase nula. Os quatro davam-se bem e tudo dividiam, tudo menos a vida sexual, aí os rapazes eram muito conservadores, as raparigas não tanto. Na verdade Mara e Dália eram bem mais experimentadas na vida e nada lhes fazia confusão, contudo respeitavam as cabeças quadradas dos namorados.
Estes jovens tinham em comum, serem uns tesos. Sempre com falta de dinheiro, passando necessidades primárias em especial comida. Os poucos recursos eram gastos em tabaco, álcool, discos e livros. Aos trambolhões lá iam sobrevivendo, tentando acabar os cursos que frequentavam. As raparigas eram da capital, os rapazes não, tinham vindo para a cidade grande de muito longe. Estavam perto do Natal e com ele as férias escolares. Asdrubal e Ochoa não tinham dinheiro para ir à terra, também não estavam interessados em deixar as namoradas na capital, não fossem elas dar o fora. Eles pensavam que não, mas nunca se sabia. Então decidiram ficar todos juntos e dividir o nada que cada um tinha.
As traseiras do velho prédio davam para as traseiras do Asilo dos velhos. Os rapazes, em especial o Asdrúbal, observavam das janelas das águas furtadas os homens e as mulheres no crepúsculo da vida, sentados no pátio apanhando sol nos dias bons. Os quatro tinham imensa pena dos tristes idosos. Raramente eles sorriam ou falavam uns com os outros, eram mortos ainda com vida.
Um dia os rapazes tiveram uma ideia e foram falar com o director do Asilo…
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Com a colaboração do Zé das plantas, seu cúmplice, João pôs em movimento as fases do plano há dias pensado. 
Era vinte e quatro de Dezembro, como habitual o clã Lopes reuniu-se em casa do banqueiro pai do João, cerca de trinta. O jantar era cheio de requintes. Todos comiam, todos bebiam, todos riam. Era uma felicidade sem limites. Mas não era total a felicidade. Três pessoas sentiam na alma o contraste daquela noite esfuziante. Era o velho jardineiro Zé das plantas, convidado mas que não saiu do seu anexo, só foi ao salão fazer um brinde à família. A esposa do banqueiro que recordava o passado e a sua avó falecida há dez anos. O João que sentia na alma o drama dos pobres em especial os idosos.
Chegou a hora de abrir os presentes, João quis ser o primeiro, recebeu, agradeceu e de seguida saiu observado pelo olhar atento de sua mãe.
A pequena charrete puxada por um corcel negro dirigia-se para parte velha da cidade, ia a passo certo e na estrada de paralelepípedos, os cascos do animal ressoavam na noite fria. Flocos de neve tudo cobriam, fazendo um contraste no dorso negro do cavalo. A charrete era conduzida por um velho muito velho, a seu lado um pai Natal pequeno, era o João equipado como mandam as regras. Sorriam, iam felizes.
O destino era o Asilo dos velhos, para idosos muito pobres, e abandonados pelos seus familiares. Naquele vetusto edifício, dividido em uma ala para mulheres outra para homens, esperavam a morte duas centenas de velhos e velhas. Bateram ao portão, foram recebidos por um responsável já a par do plano do João.
Os velhos tinham terminado a missa do galo, estavam agora no refeitório a beber um pouco de leite. Quando o menino entrou fardado de pai Natal, os velhinhos puseram-se a bater palmas e a rir, pareciam patetinhas, com tanta alegria.
Com ajuda do Zé das plantas João foi entregando a um e um os presentes que todos agradeciam emocionados. Depois foram até às camaratas entregar aos acamados também uma prenda a cada um. Uns sorriam e atiravam beijos, outros pareciam nada sentir ou talvez não porque um brilho aparecia nos olhos já cansados, pela idade e pelo sofrimento.
Despediram-se e regressaram à charrete, quando partiram, ouviram uma algaraviada, era os velhinhos a dizerem adeus através das janelas do Asilo. Meia hora depois, chegaram ao palácio dos Lopes.
Ultrapassaram o portão e ao chegar à escadaria da residência a mãe do João esperava por eles.
- Obrigada, meu filho, obrigada Maia meu amigo! Estou muito emocionada. João, a minha avó e tua bisavó, deve estar muito feliz lá onde estiver.
O João foi abraçar-se à mãe chorando. Uma lágrima de saudade rolou pela cara de Carlos da Maia, verdadeiro nome do velho jardineiro.
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Nesse dia o almoço de Natal foi muito bom devido a ofertas especiais, como por exemplo a vinda da casa do Robalo Lopes, banqueiro importante da cidade. Alguns familiares dos velhos, poucos, estiveram presentes.
Após o almoço os idosos deslocaram-se para um salão polivalente, onde existia um pequeno palco. Nesse dia o palco estava profusamente decorado com muitas luzes. À hora certa um gongo deu três pancadas e o pano de cena foi puxado para um dos lados, quatro jovens apareceram à frente de um artístico cenário. Os idosos sem nada ainda ter acontecido, começaram a bater palmas. Depois...
Depois foram três horas de sonho. Houve de tudo! Primeiro a representação de uma estória de amor, amor com muita pureza, escrita pelo Asdrubal. Depois, Mara cantou inúmeras canções do passado, pedindo aos velhos que também o fizessem, inclusive pedindo a um e a outro que viesse ao palco. Ochoa fazia rápido caricaturas passando pelas mesas. Dália com bela representação contava anedotas. Asdrubal recitava pequenos poemas coisa que ele adorava, muitos dedicados aos idosos. Para acabar, um baile foi levado a efeito por todos que se podiam mexer, inclusive as cadeiras de rodas também rodopiaram.
Depois, depois os idosos felizes regressaram aos seus cubículos. Mas naquele Asilo nada voltou a ser como antigamente, ventos de esperança sopraram por todo o velho edifício.
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Nota: Este texto tem parte de dois contos distintos, “A palavra e o desenho” e “O rapaz e o jardineiro”.
Comeira, 22 de Dezembro de 2013
ZM
Dedicado aos idosos deste país, tão desprezados pela família e pela sociedade!


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A viagem de minha mãe!

A viagem de minha mãe!
Parei à saída daquele bairro residencial para fazer um telefonema importante. O dia estava bonito, um verão de São Martinho prolongado mas bem frio. Após algumas tentativas alguém entendeu a minha chamada.
- Estou sim, quem fala?
- Bom dia, sou o Zé Manel. É o tio Alberto?
- Sou eu sim. Como estás sobrinho? Já não falo contigo desde a tua ida à Ermegeira naquela noite mágica do passado. Quando vens visitar os teus familiares que estão longe?
- Mais depressa que o tio pensa. O meu guia de viagem já está à minha espera para lá da ponte. Tem caçado muito, ou a lei daí proíbe? Ainda há dias contei a pessoa amiga a estória de só matar um coelho. Uma grande lição de vida que tento transmitir aos mais novos.
- Zé Manel, deixei de caçar há muito tempo. Não temos o direito de tirar a vida aos pobres coelhos, lebres, perdizes, que não fazem mal a ninguém. Todos estes bichos são animais de Deus, por isso têm alma.
- Já agora, como está o meu padrinho e restante família, tenho muitas saudades deles, de uns mais que de outros. Sou um simples mortal com qualidades e defeitos, por isso não consigo gostar por igual.
- O teu padrinho continua a tocar o seu trombone, todos gostam de o ouvir. Deve estar neste momento a ensaiar ou a ensinar, alguns pequenitos que aqui chegaram há pouco tempo. Ele é mesmo muito bom em todos os sentidos. Penso que a irmã caçula a Amélia está neste momento ao pé dele, são muito amigos.
- Sempre gostei muito deles e do tio também, são a par da minha irmã Ana Maria os familiares que mais me emocionam na minha saudade. Tio diga à menina que a sua mãe a vai visitar!
- Não me digas, então a minha irmã Alice vem aí. Já a não vejo há quase cinquenta anos…Como está ela?
- Foi por isso também que lhe liguei. Tio a minha mãe está muito velhota, têm de ter muita paciência com ela. Como sabe melhor que eu, o primeiro terço da vida dela foi de grande sofrimento, foi uma mulher muito sofrida. Depois os outros dois terços foram mais equilibrados, mas foi sempre uma mulher castrada. Um carácter muito forte, mulher orgulhosa mas com imensos complexos, fizeram dela uma mulher fechada em si mesmo, que pouca alegria teve na vida.
Parei para tomar folgo, depois continuei e terminei o contacto.
- Tio, peço que ajudem a minha mãe a adaptar-se, peça a todos em especial ao meu padrinho, casa onde eu nasci e tanto apoio deu à Alice nesse drama. Preparem a minha irmãzinha para a chegada da mãe.
- Fica descansado Zé Manel, tudo será feito como desejas. Adeus!
- Obrigado meu tio e até um dia destes.
Desliguei a chamada com emoção. O dia continuava bonito naquele bairro residencial. Olhei para trás, lá dentro numa campa húmida e fria o corpo de minha mãe repousa. Neste momento, a sua alma deve estar a chegar junto dos nossos antepassados falecidos!
16/12/2013
ZM
Para, Maria Alice Bray 1923/2013



sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A mãe Natal

A mãe Natal
Vinte e quatro de Dezembro, era grande a azáfama na Lapónia, centenas de idosos preparavam-se para partir nos seus trenós através do mundo para entregarem aos meninos as prendas de Natal. O pai Natal nº 2013 estava entre eles, nesse dia abusara da bebida, vício que apanhara nas idas a um pequeno país do sul da Europa. Antes da hora da partida decidiu ir a casa dormir um pouco para recuperar a lucidez.
A companheira do pai Natal nº 2013, estava muito zangada porque o seu homem voltou a entrar em casa com o abatatado nariz, muito vermelho, mais parecendo um tomate maduro, em enorme contraste com a barba branca e o barrete verde.
- Homem, outra vez com os copos…Não tens vergonha? Logo hoje que tens a tarefa de levar os presentes às crianças conforme está estipulado pelo São Nicolau. Como vais conduzir o trenó nesse estado?
 - Querida mulher, meu amor. Não te preocupes, não há problema, as renas já sabem, de olhos fechados, o caminho.
- E o exemplo que dás às crianças? Achas bem se alguma te vê ou sente o teu odor?
- Deixa lá, os meninos àquelas horas da noite estão todos dormindo.
Após esta declaração, o velho pai Natal de longas barbas brancas e junto a uma fogosa lareira, sentou o seu amplo traseiro no confortável sofá da sala. Rapidamente adormeceu e alguns minutos depois ressonava alto e em bom som.
- Isto está mau este ano, o meu homem precisa de reforma…
Assim pensava em voz alta a ruiva e anafada companheira do pai Natal 2013 que dormia a bom dormir.
- Acorda homem, tens de atrelar as renas e carregar o trenó, senão fica tarde para partires.
Mas qual quê, o pai Natal não dava sinais de acordar, o seu ressonar parecia um trombone. Foi então que a dinâmica mulher tomou uma atitude.
- Vou realizar o meu sonho de menina, ir entregar as prendas às crianças, mas às pobres. Ah! Ah! Ah!
Se assim pensou, mais rápido o executou. Perante o olhar incrédulo das seis renas, atrelou-as ao trenó. Depois carregou as centenas de presentes, pegou na lista de distribuição e partiu feliz. O destino desse ano que calhava ao pai Natal nº 2013, era uma pequena cidade de Portugal. Uma povoação com muitos ricos, mas muitos mais pobres.
Como convém numa noite de Natal, estava muito frio, o céu estava limpo, carregado de estrelas. Nas zonas mais elevadas um manto de neve cobria os cumes até meia encosta.
O trenó guiado pela mãe Natal fazia um vistão lá no céu, flutuando entre a terra e a lua. Iluminado por dezenas de luzes e igual número de guizos tocando melodias próprias da época.
A anafada mãe Natal, ia lendo os nomes e as moradas das crianças eleitas para receber os presentes dessa noite mágica. A mulher já tinha uma ideia fisgada! Ao chegar à cidade do destino, as luzes do trenó foram desligadas e os guizos emudecidos. Por norma do pai Natal chefe, os trenós tinham de passar despercebidos e muito menos podiam ser vistos.
Como a mãe Natal já calculava, todos os endereços eram de casas opulentas, de pessoas com muito dinheiro. Numa atitude enérgica rasgou a lista em duzentos e cinquenta e seis bocadinhos que lançou no céu sobre a cidade. Ao mesmo tempo pediu ajuda ao menino Jesus.
- Meu querido menino Jesus, faz que cada bocadinho de papel caia sobre a casa de um menino pobre para lhe poder levar um presente de Natal.
O menino Jesus ficou maravilhado com o desejo da mãe Natal. Não só encaminhou os papelinhos para as casas das crianças pobres, como lhes deu luz de estrela, para orientar a mãe Natal nas entregas.
Com grande eficiência a mãe Natal executou a sua tarefa de bem-fazer. Tinha realizado o seu sonho de menina!
Naquela noite de Natal os meninos pobres daquela pequena cidade receberam a sua prenda, oferecida pela mãe Natal com ajuda do menino Jesus.
Na Lapónia o velho e rabugento pai Natal continuava no seu sono de bêbedo, ressonando alto e em bom som.
Comeira, 4/12/2013
José d’ Barcellos
Para, Francisca no seu primeiro Natal.