quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Fumar ou não fumar!


Fumar ou não fumar, eis a questão? Este dilema coloquei a mim mesmo durante anos, faltou sempre a coragem para tomar uma decisão. Sabia bem que era um disparate, por isso de vez enquanto fazia uma tentativa para parar com o vício, mas o sacana vencia sempre. As tentativas não passavam de truques para me enganar. Marcava uma data para chupar o meu último cigarro, o dia passava e nem de tal me lembrava. Decidia ir reduzindo o numero de cigarros gradualmente, dia após dia fumava menos um cigarro, de repente vinha a pressão da vida o programa era interrompido e ia para as calendas. Fumava tabaco fingido, mas claro que não colava. Com isto tudo o tempo ia passando e o corpo ia sentido os efeitos malignos da droga. Os dentes estavam negros, como negros estavam os dedos que seguravam os cigarros, os escarros eram castanhos e quando me assoava o lenço metia nojo e não era só ranho, era também da sujidade derivada da nicotina, do alcatrão e restante porcarias. Estava ficando pele e osso, faltava o ar quando corria ou nadava, até nas quecas sentia a diferença. Tudo isto e ainda não tinha trinta anos.
Na minha vida social, amigos e família, no trabalho e no desporto, incomodava toda a gente. Fumava em casa junto da companheira e filha, tanto na mesa da refeição como no quarto de dormir, fumava junto dos colegas que nunca pegavam num cigarro, fumava na mesa de jogar xadrez defronte de adversários que não fumavam, inclusive crianças e doentes. Tudo isto era de um egoísmo primário, de alguém sem dignidade nem carácter.
O carro tinha cinza e mau cheiro, metia nojo, as camisas eram queimadas porque por vezes tinha dois cigarros acesos e não tinha controlo sobre eles. Isso acontecia muito quando me concentrava no jogo nos campeonatos de damas ou xadrez.
Fumava tudo, três maços de cigarros por dia, cachimbo, cigarrilhas e até de vez em vez um charuto. Estão a ver o filme? Começava às oito da manhã e terminava às duas da madrugada ou mais tarde ainda.
Comecei a fumar ao mesmo tempo que comecei a trabalhar, tinha treze anos. Era fino, era ser homem, era ser importante. Rapaz a chegar a adulto que não fumasse era assim uma coisa para o outro lado. Tudo um disparate do marketing das empresas responsáveis pelo veneno. Nesse tempo, a divulgação dos malefícios e respectivo aviso era omisso.
Um dia deixei de fumar, deixei mesmo de vez. Vocês perguntam. – Como conseguiste, quando antes não foste capaz? Muito simples, da única maneira que considero efectiva, por teimosia.
Nos primeiros dias de Outubro desse ano, na Academia de Xadrez de Luanda, estava a jogar o campeonato de Luanda e chupava cigarro atrás de cigarro, por vezes com dois acesos. Todos tossicando devido à fumaça que navegava no ar da sala. No lugar de me concentrar na partida olhava para a assistência e pensava exactamente na porcaria do vício. Ao fundo da Academia sentada num cadeirão, uma senhora * de meia-idade olhava para mim com olhar reprovador. Quando me levantei no fim da partida veio falar comigo e deu-me um ralhete.
-Senhor Bray, um homem que ainda é um jovem, tão jeitoso, não vê como está magro e negro do tabaco. Um dia vai ter um problema grave, o tabaco é um veneno que mata um nadinha de cada vez, deixe de fumar.
Nesse dia fui para casa sempre pensando na merda do cigarro. Mas ainda não tive coragem de parar. Durante a noite foram só pesadelos…
No dia seguinte era sábado, começava o campeonato de Angola para o qual estava apurado. Parei na rua António Barroso para tomar café, enquanto saboreava o mesmo, pensava. - Bray tens a mania que és muito inteligente, mas não passas de uma besta, andas a dar cabo da saúde e ainda por cima a gastar o dinheiro que pode faltar para dar leite à tua filha, burro, burro. Puxei do maço de cigarros ainda quase cheio era da marca MC. Olhei uns minutos para a linda embalagem depois amachuquei o dito e caixote do lixo com ele. Até hoje não voltei a meter um cigarro na boca. Já lá vão muitos anos, aconteceu em 3 de Outubro de 1973.
Hoje não há falta de informação e os avisos são muitos. O TABACO MATA! Não entendo como se continua a fumar, ainda mais que no meu tempo!
Para deixar de fumar basta ter força de vontade. É óbvio que custa!
Penso que já não existia se não tenho parado de fumar.
O pouco que tenho é resultado do que não gastei em tabaco. Já fiz as contas.
Pouca gente sabe que fui o primeiro dirigente em Portugal a proibir o fumar nas salas de competição de xadrez, mesmo antes da FIDE.
* A senhora era a mulher do Paes Faria
José Bray



1 comentário:

  1. Este texto do José Bray, devia ser lido por todos os fumadores. Nele, o escrivão abre a alma ao leitor, mas também a sua esclarecida mente. Parabéns!

    ResponderEliminar