quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O projecto


Um homem idoso na idade mas jovem no espírito, o senhor X, passou horas e horas fazendo aquele importante projecto. A sua empresa precisava de vender os materiais referentes a essa obra, para salvar os números do ano.
Tratava-se de um armazém de grandes dimensões para uma cadeia de Super Mercados. Obra de envergadura e muita complexidade. O senhor X desenhou durante o dia e continuou pela noite fora, após idealizar a solução arquitectónica. Depois passou à parte de engenharia, calculando todos esforços da estrutura. Calculou a resistência à tracção e à compressão, dos pilares, vigas e diagonais. Previu travamentos. Tudo foi pensado, calculado e revisto.
Ficou a tarefa feita? Não, nem pensar! Depois vinha outra de responsabilidade, contar todos os materiais necessários à obra, para poder ser feita a orçamentação. Ao fim e ao cabo, a única coisa que interessava ao cliente.
O projectista, contou milhares de barras, de dimensões variadas e de perfil diferente. Umas cantoneiras eram em 140, outras em 160, outras em 225, bastantes em 300 e algumas em 345.
Esta escolha dependia dos esforços a que cada barra era solicitada na exigência máxima.
Depois era a difícil contagem dos parafusos, eram dezenas de milhar dos normais, milhares dos de alta resistência e muitos de mola.
Havia quatro escadas com sua complexidade. Dezenas de corredores e varandins com centenas de pranchas perfuradas. Havia prateleiras de várias dimensões aos milhares. Havia os esquadros de travamento, assim como as sapatas especiais chumbadas ao chão.
Depois desta exaustiva contagem com muita responsabilidade, estava tudo?
Não! Era preciso recontar por outro método, só assim havia garantias de não haver erro na contagem com consequências no preço final da obra. Prejuízos que iriam reverter para a empresa fornecedora.
A seguir era preciso fazer a orçamentação propriamente dita assim com o relatório. Finalmente organizar as pastas com o processo completo.
Com as diversas etapas, passara-se quatro dias e três noites, num árduo trabalho quase sem paragem.
Qualquer outro técnico da empresa, levaria quase duas semanas a fazer aquele projecto orçamento. Isto se o soubessem fazer...
Como já disse, este projecto era fundamental para a sobrevivência daquela empresa de estruturas metálicas.
Enquanto no gabinete o idoso projectista fazia aceleradamente a árdua tarefa, o vendedor responsável por vender a obra, passava os dias no café ou passeando pela cidade, fingindo que visitava clientes. Uma grande balda!
Perante um projecto tão complexo e importante, o vendedor devia passar parte do dia perto do velho projectista para se inteirar de tudo e poder apresentar as mais-valias ao cliente. Mas nada disso o vendedor fez…
Após o projecto feito, orçamentado e o processo montado, o vendedor foi chamada para o levar ao cliente, empresa importante na área dos Super Mercados.
O técnico de vendas era medíocre, não entendia nada do projecto. Era como um boi a olhar para um palácio. Muito atrapalhado pediu ao velho projectista para ir com ele ao cliente.
O velho sentiu-se usado, lixado, recusou!
Então o coirão ia receber uma alta comissão e ele, o cérebro do projecto ainda tinha de ir vender o mesmo…
- Vai falar com o teu chefe e pede ajuda. Ele é pago para isso.
O vendedor contrariado assim fez.
Passando um pouco o director de vendas chegou ao gabinete do idoso projectista. Todo pipi, todo cagão, todo incompetente. Para o dito cujo, os seus negócios privados eram mais importantes do que os da empresa onde recebia chorudo vencimento. Ao chegar perto do nosso projectista, assim falou.
- Senhor X, o projecto e a venda é muito importante para a nossa empresa, venha lá ajudar a meu vendedor. O patrão ficará satisfeito, de contrário terás problemas.
O velho projectista aí ficou pior que um urso zangado. A tampa saltou e ele desabafou em voz alta.
- Coirões, incompetentes, vós sois quem tem a obrigação de vender. Andam nas putas e no fim têm os lucros. Vão-se fornicar!
Depois pensou mais aliviado.
- Porque estou a chatear-me? Estou já reformado, estou aqui de borla, dando uma ajuda. Vou-me já embora e os gajos que se fodam.
Após pensar isto, o velho idoso acordou, com o coração acelerado, mas aliviado.
Fim
José Bray, 16/12/2014
Nota - Foi mais um sonho recorrente do meu tempo de projectista. Foi um sonho mas com muito de verdade. Sonhei este tormento, na noite de 14 para 15 de Dezembro.


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