João caminhava lentamente para casa, era de véspera de Natal,
o dia estava húmido e frio. A tarde chegava ao fim e em breve a noite desceria
sobre a cidade. Em casa duas crianças esperavam desesperadamente por ele.
O rapaz ainda novo, mal ultrapassava os trinta, apressou o
passo, queria estar com os seus meninos o mais rápido possível. Tinha contudo
ainda de resolver uma questão melindrosa, comprar os presentes para a Ana e a
para o Luís, os seus gémeos. A menina queria uma boneca que há muito vira numa
montra da Morais Soares e ele um revolver de plástico, que passara os dias a
namorar defronte da montra da mesma loja de brinquedos.
Tudo seria muito simples, o problema é que ele não tinha o
dinheiro para comprar os presentes tão desejados pelos filhos. Estava há muito
desempregado e a divida ao merceeiro era muita e a renda do quarto estava
atrasada já três meses. O Santos da loja e o senhorio Lopes, já tinham ditado a
sentença. Ou aparecia o dinheiro, ou acabava a comida e a casa.
Que fazer?
Não visualizava qualquer solução… talvez roubar alguém com ar
de abastado. Mas faltava-lhe a coragem e também o expediente.
Desde que morrera a sua amada sentia-se totalmente perdido.
Mas os filhos tinham de comer e queriam que o pai Natal lhes trouxesse os
brinquedos desejados.
Sem forças para tomar uma iniciativa ou para caminhar a
centena de metros que o separavam do quarto em que sobrevivia com os filhos,
sentou-se no banco da paragem dos autocarros. Uma amargura e um desespero
imenso apoderaram-se do jovem homem. Não tardou que a emoção envolvesse o seu
magro corpo, ao pensar nos filhos e na companheira desaparecida, mãe dos
meninos.
Com a cabeça entre as mãos, por sua vez estas apoiadas nos
cotovelos que faziam suporte nos joelhos cobertos pelas coçadas calças, o homem
começou a chorar de mansinho, mas as lágrimas eram um rio deslizando pela cara
cheia das marcas da fome.
Que fazer? Meus queridos filhos…
Não sentiu logo, mas aos poucos apercebeu-se de uma leve
pressão no ombro esquerdo. Uma mão pequena batia ao de leve, aos poucos João
foi-se apercebendo disso. Olhou!
Um sorriso maravilhoso olhava para ele, era a mulher mais
linda que vira na vida. Seria um anjo?
- Porque choras meu rapaz? Diz-me o que se passa?
Sem conter as lágrimas o jovem homem abriu o coração. Devido
à emoção atrapalhadamente deu algumas informações à senhora que entendeu logo o
drama. Também ela há muito vivera situações semelhantes.
Então sem hesitar não só deu dinheiro ao João para as prendas
como o convidou e aos filhos a passar a noite de Natal com ela e com sua filha
uma menina da idade da Ana e do Luís.
João de imediato foi comprar as prendas para os filhos e à
hora marcada lá estava à porta da casa da sua benfeitora.
Foi uma noite mágica para aquelas três crianças, para o João
e para a maravilhosa senhora, tão bonita por fora como por dentro. João levou
um ramo de violetas e recebeu uma foto de mãe com a filha. Há meia-noite uma
luz multicolor brilhou forte na sala onde as crianças felizes abriam os
presentes.
Os dias passaram e novo ano chegou, com ele a esperança na
vida. Tudo começou a correr bem ao João, conseguiu um trabalho seguro e uma
nova namorada entrou na sua vida.
Um dia João decidiu ir visitar a sua benfeitora. Vestiu os
gémeos com roupa de domingo, comprou um ramo de rosas brancas, dirigindo-se
depois para a morada em que estivera na noite de Natal.
A rua parecia-lhe mais velha e suja. Ao chegar ao prédio,
este estava quase em ruínas com nítida falta de conservação. O homem entrou no
edifício e bateu à porta. Apareceu-lhe uma velha muito velha.
- Que deseja?
- Venho visitar a senhora da casa. Ela está?
- Claro que está, a senhora da casa sou eu.
O homem com as crianças ao lado ficou confuso, tirou uma foto
do coçado casaco e mostrou à velha.
- Falo desta senhora e da sua menina.
A mulher olhou atentamente para a fotografia abriu muito os
olhos e exclamou espantada.
- O senhor ou está a brincar comigo ou está doido. Essa
senhora morou aqui com a filha há mais de cinquenta anos. Há muito que
morreram.
O homem ficou aparvalhado,
mas ainda perguntou.
- Mas como morreram, mãe e a filha?
- Sim homem de Deus, morreram num acidente quando regressavam
de avião do estrangeiro.
Como era de esperar, João compreendeu que naquela noite de
Natal, foi um milagre o que aconteceu. Os filhos não entenderam nada mas ele
não mais esqueceria na vida, aquela mãe e sua filha.
Comeira, 13 de Dezembro de 2014
Dedicado à Francisca, sua mãe e sua avó!
José Bray
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