O rapaz mais velho, do quarto ano daquele Colégio de elite,
orientava o formar da fila dos restantes miúdos. Três a três numa longa
extensão eram mais de trezentos, todos de calções caqui e camisas verde, cabelo
curto e penteado. Estavam todos sisudos, compenetrados da sua importante missão
na marcha que se avizinhava. O leader, puto entroncado de negra cabeleira, dava
ordens sem parar de gesticular. Sempre de trombas, parecia zangado com todos,
incluindo Deus e o Diabo.
Reconheci de imediato o comandante daquela trupe, era um dos
meus alunos de xadrez da turma especial. O Fabrício era habitualmente um garoto
bem-disposto e educado. A sua atitude era muito estranha.
A formar o longo pelotão com modos bruscos, fingiu não me
ver. Parte dos pequenitos daquela pandilha eram meus alunos das turmas de
iniciação.
Alguns dos miúdos jogavam ainda partidas de xadrez na sala
adjacente ao parque. Entretanto foram chamados com maus modos, aos berros e com
palavrões. Devido à pressão e contra o que era habitual deixaram as peças
espalhadas sobre a mesa e algumas no chão. Assustados correram a encaixarem-se
na marcha. Gritei já enervado.
- Rapaziada, então já
não se arruma as peças? Venham cá!
Mas de nada serviu o meu chamamento, disseram que o chefe não
autorizava. Então chamei pelo chefe que já ia mais à frente. Um dos rapazes com
cara de mau olhou para mim e declarou.
- Não chateeis o chefe
porque ele tem um dever mais importante a cumprir, a pátria chama por nós.
Foi então, que um miúdo mais atrasado para a marcha, saiu das
mesas a correr com uma toalha cheia de peças, num gesto de desprezo espalhou-as
pelo chão. Depois com um sorriso de gozo mas maldoso, dando-me um encontrão foi
em corrida juntar-se aos camaradas. Lá longe fazendo um toma e deitando a
língua de fora desapareceu na curva do parque.
Curiosamente as peças atiradas ao chão eram só brancas,
também reparei que todas elas, as do chão e as das mesas eram todas de madeira,
nada havendo de plástico.
Tentei arrumar tudo mas não conseguia, nada batia certo,
havia peças com falta de pequenos pedaços, estes espalhados por toda a parte
não se encaixavam em nenhuma peça.
Pedia ajuda mas ninguém aparecia, excepto uma criança que não
conseguia distinguir se era rapaz ou rapariga, aproximou-se e fez um sorriso
estranho. Reparei com mais atenção e cheguei à conclusão que a criança sofria
de Síndrome de Down, mas não muito pronunciado. Começou também a apanhar as
peças, mas não para arrumar mas sim para as atirar para baixo das mesas e das
cadeiras. Finalmente cheguei à conclusão que era um rapaz, ele ria-se, ria-se e
ria-se. Cada vez as peças eram atiradas para mais longe. Ralhei com ele mas não
ligou e ainda ria mais alto. Passei-me e dei um abanão ao miúdo, não
magoei, mas senti-me logo mal. O miúdo começou a chorar, tentando com isso
chamar a atenção para me incriminar. Como ninguém apareceu partiu não sei para
onde. A correr e sempre gritando evaporou-se a cem metros dali.
Decidi então ir para uma arrecadação à procura de peças para
completar os jogos. A arrecadação era um longo armário encastrado numa parede
negra. Abri, lá dentro em diversas prateleiras havia muitas peças em sacos
transparentes, todas de plástico e cheias de teias de aranha. Numa das
prateleiras estava duas caixas de madeira em muito bom estado. Senti
curiosidade, por isso decidi abrir as mesmas, as tampas saíram com facilidade.
Dentro da primeira caixa estava um esqueleto de criança
rodeado de rosas brancas frescas como acabadas de colher, por cima do esqueleto
uma foto mostrava uma menina de dois anos, de mão dada ao pai e segurava com a
outra a saia do vestidinho. A chorar abri a segunda caixa, aí outro esqueleto
pequeno rodeado de rosas brancas, uma foto estava também sobre o esqueleto,
mostrava uma menina também de uns dois anos de mão dado com um menino mais
velho. Emocionado fugi para a rua deambulando ao acaso.
Um tempo depois encontrei a minha irmã Teresa com um bilhete
de avião na mão.
- Irmão desculpa não
consegui bilhete para ti. Vou apanhar o avião, porque tenho muita coisa para
fazer lá no meu destino. Adeus!
Fui a correr para o aeroporto, mas tudo estava fechado, Ao
longe uma fila estava entrando num avião de quatro hélices, era um Super
Constellation. Aproximei-me, não conseguia ver os rostos das pessoas, mesmo
fazendo um enorme esforço.
Todas as pessoas foram entrando, no fim da fila estava um
casal. Reparei no par, conhecia bem a mulher, o homem mais velho que a
companheira não conheci. Ela a sorrir disse-me.
- Desculpa, tenho de
partir, ele está velho e doente, tenho de tomar conta dele.
Entraram, a porta fechou-se e o SC arrancou com violência. As
luzes foram-se apagando no aeroporto. Fiquei sozinho no meio da pista, na maior
escuridão, um nevoeiro foi baixando e por fim desapareci de mim mesmo.
ZM, 1/3/2013
Este sonho foi muito duro, andei doente uma semana! As metáforas contidas nele são muito violentas!
ResponderEliminarA metáfora está lá, mas é só levantarmos o véu e encontramos o anjo que te acompanha e acompanhará in aeternum.
ResponderEliminarHoje ao reler este meu conto que afinal é mesmo um sonho que tive, sinto uma emoção imensa. Nele estão muitas metáforas, algumas só entendíveis por mim. Penso que com algumas correcções é mesmo um excelente conto. Mas muito duro!
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