sábado, 10 de maio de 2014

Espionagem

Este texto conta a estória verídica de uma espionagem feita nos anos sessenta a uma empresa concorrente. O pedido, leia-se exigência, foi feito pelo patrão a um funcionário tipo “estrela”. O rapaz, pouco mais que adolescente, aceitou o desafio. Para ele nem desafio era, na verdade não precisava de espionar coisa alguma, tinha uma visão clara da empresa concorrente assim como das razões de alguns insucessos da sua firma. O Rui mesmo assim alinhou o que deu origem a esta narrativa que agora contamos. Foi na verdade uma estória mais romântica que de espionagem, com um fim insólito mas normal naquela época.
Espionagem
Um dia o patrão S chamou o Rui a estrela da empresa para com bons modos pedir ao jovem a execução de uma missão especial. O senhor S com um largo sorriso no rosto magro, convidou o seu colaborador a sentar-se no maple de cabedal do seu amplo gabinete. Ofereceu-lhe um cigarro Chesterfield que acendeu com o seu isqueiro Dupont, seguiu-se uma conversa trivial sobre problemas de gestão, depois falaram do Bridge vício do patrão. Rui pensou; este está a dar-me conversa mole, vamos lá ver o que vai sair daqui? Por fim lá saiu mesmo…
- Rui, precisamos de estar informados sobre a concorrência, temos de recolher algumas informações sobre a firma X, o nosso principal rival nos negócios, como sabes. Não posso pedir aos outros, não confio neles, a C ofereceu-se mas não a quero envolvida nestes imbróglios, o engenheiro é um conas e o agente técnico não é credível. Que dizes?
Rui coçou a farta cabeleira, após um sorriso irónico, observou.
- Senhor S, primeiro preciso que me diga qual o tipo de informações que pretende e se não podem ser obtidas por vias oficiais? Pela sua cara já vejo que não.
- Pensa e logo chegarás à conclusão do que pretendemos, não é difícil imaginar.
- Claro que sei! Vou pensar no seu pedido e amanhã já lhe diga a minha decisão.
O Rui nesse resto de dia não pensou noutro assunto, após a saída da escola nocturna, durante o caminho para casa feito a pé, mediu os prós e os contras do pedido insólito do patrão. Aquilo era a chamada espionagem industrial ou comercial, como der mais jeito denominar. O senhor S queria saber preçários, dimensão da carteira de clientes, percentagem do concorrente no mercado, custo das matérias-primas, estratégia do concorrente. Em resumo, os seus pontos fracos e pontos fortes. O Rui não estava a achar graça à situação, por outro lado sentia uma certa pica na execução do empreendimento.
O alvo era um concorrente forte que estava a ganhar muitos negócios, embora a gerência da firma do Rui não encontrasse razões palpáveis para esse facto. O Rui conhecia uma razão que talvez justificasse essas percas, iria tentar comprovar isso mesmo.
O negócio das duas empresas era vender e alugar estruturas metálicas desmontáveis. O tubo e as uniões eram a matéria principal. O tubo de ferro era igual para as duas firmas, podendo custar uns escudos de deferência em função às quantidades adquiridas de uma só vez, planeamento e à forma de pagar desses fornecimentos. Isso é óbvio para qualquer bom gestor. Nas uniões já a situação tinha outras nuances, para além das atrás descritas havia a questão técnica das uniões, nem todos os modelos ficavam ao mesmo preço por peça. A união de M empresa do Rui, era tecnicamente a melhor, mas o custo de fabrico era um pouco mais elevado. A compensação económica vinha nas quantidades encomendadas de uma só vez ao fabricante e da capacidade de pagar no mais breve espaço de tempo possível. Tudo isto são verdades de La Palice, mas sem ovos não se fazem omeletas, a capacidade financeira no investir era essencial.
O Rui a tal estrela da M já se tinha apercebido que nos alugueres havia uma maior discrepância nos valores concorrenciais. Qual era a razão, para além das atrás expostas? O rapaz sabia mas não queria abrir o jogo ao patrão. Preferiu entrar no jogo dele.
No dia seguinte entrou no gabinete da gerência, logo que o patrão chegou, eram dez horas.
- Senhor S, depois de pensar maduramente decidi aceitar o desafio proposto por si.
-Então, como vais fazer?
- Desculpe senhor S isso vai ser à minha maneira, para não ficar mais ninguém salpicado se a coisa der para o torto.
Aquilo era tudo folclore do Rui, ele já tinha grande parte dos elementos com ele, o relatório podia ser logo entregue, era preciso só esclarecer melhor alguns tópicos. Por isso a tarefa a realizar era quase só cenário, mas queria divertir-se um pouco com a situação.
A empresa concorrente não diversificava muito da sua, não tinha um sub-gerente como a C nem uma estrela como o Rui, mas tinha outras mais-valias. Era o caso da recepcionista que assumia com competência outras tarefas. O restante pessoal era formado por um engenheiro capaz, um chefe de montagens também competente, um vendedor fala-barato, um paquete antipático, uma dactilógrafa, um desenhador orçamentista, o patrão e a sua secretária. O Rui tinha informações através de um montador amigo, parte do pessoal pouco prestava, na sua opinião só mesmo a recepcionista no que respeitava a mulheres.
Um dia numa hora estudada, o Rui ligou para a empresa X sua concorrente. Sabia que o orçamentista saía todos os dias mais cedo para ir para a Instituto Industrial onde estava a tirar um curso superior média, agente-técnico..
Do lado de lá uma voz agradável mas firme de quem sabe falar ao telefone, coisa rara na época como ainda hoje.
-Boa tarde, fala da firma X, faça favor de dizer.
- Boa noite minha senhora, desculpe incomodar, está aí alguém que me possa dar um orçamento?
- Neste momento não, o nosso orçamentista não está, mas posso ficar com os dados e amanhã o senhor será contactado. Se puder e souber tudo farei para o ajudar.
Não havia dúvida, Rui falava com uma profissional competente, se calhar tanto como a sua colega C.
- Talvez sim minha senhora, se não for muita maçada. Queria alugar um andaime para limpar os prédios da família e queria saber valores. A senhora é muito simpática. Por favor o seu nome?
-Elsa e nada de senhora, isso faz-me sentir mais velha, além disso sou solteira.
- Elsa desculpe a minha falta de tacto, mas a mãezinha ensinou-me a ser delicado e educado com as senhoras, menina neste caso. Sou Francisco, mas todos me tratam por Xico, melhor Xico Zé, porque na verdade sou Francisco José, sim, exactamente como o cantor romântico.
- Então diga lá senhor Francisco José!
- Queria alugar, mas se os preços forem muito elevados talvez vá para a opção de comprar. Dá para as várias limpezas, depois armazenamos para o futuro. Claro que irei saber preços à concorrência. Já agora nada de senhor, esse está no céu.
E desta forma, mais coisa menos coisa a conversa foi sendo desenvolvida. Os dois ao fim de mais de uma hora despediram-se marcando um telefonema para o dia seguinte. Claro que o nosso homem clarificou que só podia ao fim do dia, hora que o orçamentista não estava.
Alguns dias mais tarde, talvez pouco mais de uma semana, já pouco se falava dos andaimes. Com o passar dos dias tudo se encaminhava para um encontro ao vivo que o Rui evitava a todo o custo.
A pouco e pouco foi recolhendo uma serie de informações, umas já sabia outras não. A jovem estava sendo manipulada sem ter a mais pequena desconfiança.
Era Elsa para lá Francisco para cá. Contaram coisas das suas vidas, da parte do Rui eram só mentiras, da parte da mulher talvez sim talvez não, coisa que nunca saberemos.
Um dia não foi possível protelar mais o encontro, a missão estava cumprida. Para o Rui era simples, não contactar mais a rapariga, contudo o rapaz ainda quis pôr a cereja em cima do bolo. Marcou mesmo um encontro, queria observar bem a Elsa. Isso era na realidade o máximo da sacanice, a rapariga confessara ter trinta e dois anos e o Rui disse ter trinta e três, na verdade ainda não fizera dezanove, faltava uns dias.
 O Rui entretanto entregara o relatório ao patrão com as suas conclusões:
Publicidade mais bem pensada do concorrente, vendedor mais mexido, divulgação nos sítios certos, um bom projecto. A razão dos alugueres serem mais baratos devia-se ao facto das uniões de X raramente partirem, por isso com mais rentabilidade na execução. O Rui já sabia isso tudo, a Elsa só confirmou o que ele pensava e já investigara no passado.
O encontro foi marcado para um centro comercial na rua Braamcamp, num restaurante escolhido pelo sacana do Rui. Acompanhado de uma amiga que nada sabia da estória, foi colocar-se num local estratégico para observar calmamente enquanto fingia namorar com a companheira.
À hora marcada entrou uma mulher vistosa que se sentou no local combinado. Era alta, bem-feita, de beleza vulgar, mas com um ar distinto. Esperou, esperou, esperou, olhou dezenas de vezes para o relógio e para a porta de entrada. Por fim com o semblante carregado, mas sem perder a compostura, levantou-se e muito direita saiu porta fora, perdendo-se na noite.
O Rui nessa noite foi dormir com a amiga, ia com a consciência pesada que se reflectiu nos trabalhos de cama.
Marinha Grande, 19/3/2013
Alberto Pereira de Castro







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