sábado, 10 de maio de 2014

O drama da joaninha Lua

O drama da joaninha Lua
Era uma vez uma jovem joaninha que tinha muita vaidade nas suas seis pintas negras que forravam o exterior do seu vestido vermelho.
Aquela joaninha bonita mas algo supérflua, chamava-se Lua e era a perdição dos insectos macho, daquele florido pomar. Grilos, besouros, gafanhotos e outros mais invulgares, perdiam a cabeça ou seja o tacto, devido à paixão que ela inspirava neles, nos machos conquistadores daquele paraíso.
Naquele dia de primavera a nossa adolescente foi passear através de uma romãzeira que floria em pleno. Após saborear o pequeno-almoço composto por ofídios, pequenos piolhos malignos, a nossa joaninha decidiu bater uma sorna debaixo das frescas folhas da romãzeira.
Lua não dormiu muito tempo. Entretanto, sonhou que namorava com um belo zangão que a andava a inquietar o seu volátil coração. Acordou ao som de uma monótona melodia executada por uma cantora muito irresponsável, a cigarra dona Escura. Em voz alta Lua exclamou. – Esta senhora também não sabe outra música, até incomoda o mais paciente.
Nesse meio tempo perscrutou a paisagem para tentar descobrir a cantora, mas só viu uma formiga que atarefada fazia pela vida, o inverno chegaria um dia e devia ser rigoroso. Era preciso encher a dispensa e depressa, para a família não passar fome nesse período de invernia.
- Já andas na labuta formiga Obreira? Tu exageras, tens também de viver a vida, diverte-te rapariga.
- Pensas que tenho as tuas bonomias? Comer, passear e namorar. Alimentas-te de vermes e insectos viventes, terás sempre comida nos teus cento e oitenta dias de vida, mas eu sou vegetariana, por isso tenho que fazer reservas para o inverno.
Apressada a formiga afastou-se com o seu pesado fardo de comida, mas antes ainda exclamou. – Que se passa contigo Lua? Estás hoje diferente mas não sei dizer o quê.
Após fazer esta afirmação continuou na sua azáfama à qual se juntou uma sua irmã.
- Que se passará comigo? Assim pensou a nossa joaninha, não sentia dores nem estava mal disposta.
Entretanto uma abelha, a Maia, esvoaçava de flor em flor para encher a seu depósito de pólen.
- Bom dia Lua, que se passa contigo, hoje estás diferente, não estás tão bonita como de costume.
Dito isto Maia afastou-se. Lua começou a ficar preocupada. – Que se passa meu Deus dos insectos? Pensou ela em silêncio.
Entretanto, mais alguns amigos e amigas passaram por ela e todos disseram o mesmo.
- Estás diferente, mas não sabemos em quê, nem o porquê.
Claro que nem a joaninha sabia, mas não estava a gostar nada da situação. Lua então decidiu ir ver-se no primeiro espelho que encontrasse, coisa que não foi difícil. Na parte inferior da romãzeira gotas de orvalho eram às dezenas. Chegou perto de uma por sinal bem grande e límpida. Olhou para a sua imagem com muita atenção, logo viu o que se passava. Não tinha no vestido vermelho as seis pintas negras, alguém durante o seu dormir as roubara.
- Meu Deus dos insectos, estou perdida, sem as minhas pintas negras pareço um tomate maduro.
A jovem joaninha chorou a bom chorar, lágrimas das verdadeiras. Foi para casa, queria desabafar com a sua mãe, no caminho encontrou a lagarta Verde, a quem contou o seu drama. Esta deu-lhe então uma útil informação.
- Sabes Lua, quem eu vi junto a ti enquanto dormias? Foi o grilo Cantante.
-Então foi esse malandro, anda sempre a fazer marotices, vou já à procura dele. Obrigada lagarta Verde.
Se assim o disse mais depressa o fez. Após procurar durante três horas, horas em que todos continuaram a dizer que Lua estava diferente, mas não sabiam porquê. Mas agora ela replicava. – Foi culpa do malandro do grilo Cantante, roubou-me as minhas seis pintas negras. Entretanto acabou por encontrar o reguila do grilo Cantante, o terror das mães com meninas adolescentes.
- Olá linda joaninha, hoje não estás tão bonita como de costume. Que te aconteceu?
- Tu bem sabes, meu bandido. Porque roubaste as minhas seis pintas negras?
- Eu? Eu não roubei nada, não levantes falsos testemunhos. Só estive a admirar-te enquanto dormias.
- Mentiroso, és sempre o mesmo, não posso confiar em ti, nem eu nem ninguém.
Realmente Lua tinha uma paixão assolapada pelo belo grilo, este correspondia mas não gostava do excesso de vaidade da joaninha.
- Nunca acreditas em mim, paciência.
- Claro que não acredito, não quero mais nada contigo. Enquanto não me devolveres as minhas seis pintas negras, não mais te falarei.
- Mas eu gosto de ti mesmo sem pintas!
- Não me interessa, sem pintas não haverá mais nada entre nós, deixa-me.
- És uma joaninha vaidosa, para ti só a beleza conta, passa bem quando quiseres procura-me.
Lua partiu para casa a voar e a chorar. O seu conflito era imenso, um drama entre o amor e a vaidade. Ao chegar foi para o regaço da mãe joaninha.
- Mãe, o grilo Cantante é um malandro, roubou as minhas seis pintas negras, não o quero ver mais.
- Tens a certeza que foi ele? Por vezes há equívocos.
- Ele bem negou, mas eu não acredito na palavra dele, viram-no perto de mim enquanto dormia.
- Filha, espero que não te venhas a arrepender,
O tempo passou e o grilo sempre a negar. Mas também não abria o jogo, queria ver até que ponto a Lua preferia a beleza ao amor.
Passaram-se uns dias, Lua não perdoou mesmo. Numa certa tarde começou a cair uma chuva miudinha, mais tipo cacimbo forte. A nossa joaninha voava, acabando por se molhar completamente. Abrigou-se debaixo de uma enorme folha de figueira, ao lado noutra folha formara-se um lago que reflectia as imagens. Lua foi mirar-se no espelho do lago e qual não é o seu espanto as pintas estavam novamente no seu vestido.
Afinal, o grilo Cantante não roubara as seis pintas negras, só as pintara de vermelho com o sangue do seu corpo. Fizera isso para dar uma lição à joaninha vaidosa.
Esta exclamou chorando.
- Que raio de porcaria eu fiz? Estraguei tudo, valha-me Deus dos insectos.
Nessa altura já o grilo Cantante namorava a formiga Obreira e não mais quis saber da joaninha Lua.
Lisboa, 21 de Julho de 2013
José Bray
Nota: Este conto infantil, foi escrito parte às oito horas da manhã na Flor do Império e a outra parte no Jardim Constantino ao meio-dia. Nesse dia, mergulhado na minha solidão senti que alguém tinha roubado a minha cidade. Sensação estranha!




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