terça-feira, 16 de novembro de 2010

Xadrez - O sacríficio do Elias

Passaram-se quase vinte anos, mas parece que foi hoje. Elias entrou na sala a medo, demonstrando muita timidez. Gordinho com movimentos obtusos, enorme para a idade, tinha doze anos. Vinha sem dúvida ao cheiro do xadrez, de imediato o seu interesse ficou à vista de todos. Evoluiu em muito pouco tempo, mais rapidamente que os outros garotos.
Os responsáveis do clube começaram a reparar no rapaz, deram-lhe o apoio necessário para ele poder competir oficialmente.
Certo dia veio ter comigo e desabafou. -- Os meus pais não gostam que eu ande no xadrez. Dizem que é um jogo de azar e é por isso pecado. -- Prometi ajudar e ele lá foi para casa mais animado. Os ignorantes paternos pensavam que este jogo podia ser a perdição do filho.
Fomentei um encontro casual com um dos progenitores. O pai nunca o vi mas a mãe lá consegui apanhar. Expliquei à senhora que o xadrez é um jogo de inteligência e como tal podia beneficiar muito o rapaz no estudo e na vida. A mãe aceitou mas não me pareceu muito convencida.
O tempo foi passando e o Elias foi desenvolvendo o seu nível de jogo. Todos nós sentíamos que ele era feliz. O rapaz tinha bom feitio e ia fazendo amigos.
Um dia o nosso clube foi convidado a ir disputar um torneio lá para as bandas de Fátima. Era uma prova simples mas muito bem organizada. O nível não era elevado, por isso pediram-nos uma equipa de segundo plano e nós aceitámos.
Escolhemos vários jogadores, entre eles, o nosso Elias. Ele ficou super contente e lá convenceu os pais para o deixarem ir.
A prova foi muito agradável, o ambiente excelente. A nossa equipa venceu e todos receberam valiosos trofeus. No fim a organização ofereceu um lanche à rapaziada.
Os jogadores da equipa regressaram contentes e o nosso jovem transbordava de felicidade.
Todos estávamos convencidos que estava ali um futuro campeão.
Mas, o insólito aconteceu! O rapaz não apareceu mais! Entretanto fomos informados por outros jovens do xadrez que o Elias fugia sempre que eles se aproximavam.
Depois de algum tempo consegui encontrar o rapaz, já ele tinha catorze ou quinze anos. Muito envergonhado explicou-me que os pais lhe tinham batido quando ele chegou do tal torneio e mais, tinha sido proibido de jogar xadrez. Por essa razão não tinha ido mais ao clube. Disse-me isto com as lágrimas nos olhos. A religião dos pais não admitia festas ou convívios fora da alçada da sua igreja.
Senti-me impotente, queria ajudar o Elias e não encontrei solução. Santa ignorância! Por respeito, não nomeio a dita religião. Mas de Cristo nada tem. Não passa de uma seita hipócrita!
Os anos passaram, muitas coisas aconteceram. De tempos a tempos, ao longe via o moço, mais gordo, mais obtuso, sempre tímido e triste.
Há semanas, andava circulando ao acaso alinhavando as ideias, de súbito aconteceu algo que me deixou horrorizado! Ao passar junto de uma zona degradada apercebi-me de um bando de rapazes, eram drogados e traficantes. Algo me pareceu familiar, observei melhor, lá estava ele o Elias. Parecia um farrapo humano, magro, roto e sujo. Aproximei-me, todos pediram moedinha menos ele. Voltei a sentir-me impotente e não tenho vergonha em confessar que chorei. Depois fiz algo…
O Elias foi sacrificado em nome de um Deus que nada fez por ele! Os pais foram os carrascos!
Afinal a sua salvação estava na Deusa do xadrez Caissa!
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Este conto é uma história real, dedicado a todos os meninos e meninas que amam o xadrez e que os pais por ignorância não os deixam praticar o jogo mágico.
Marinha Grande, 20 de Abril de 2004
José Bray









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