segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Um dia no Oeste

Um dia no Oeste
(Ou, Conto incompleto)
Foi um acaso…
António Pedro d’ Barcellos, navegava na sua Rocinante pelas ondas do Oeste, através de estradas secundárias das secundárias, ou seja de terceira.
Na verdade, penso que ele flutuava mais do que navegava. Sentia-se leve com uma enorme felicidade por respirar aquele ar e por dar tanto pasto à vista.
Tudo, o nosso Barcellos, observava e admirava. Era o caso dos mais variados verdes que a paisagem transportava e as formas multifacetadas das árvores, tanto caducas como perenes.
Sentia-se em estado de graça. De tempos a tempos, ou seja de quilómetros em quilómetros, parava para apreciar a cor, o cheiro e a forma de uma flor, desconhecida ou não. Depois, antes de voltar a arrancar, escrevia um pequeno poema. Naquela manhã já fora pai de seis!
- Quem saberá que ando por aqui? – Pensou em voz alta.
Ninguém sabia, era óbvio. O nosso homem nunca dava satisfações, dizendo para onde ia vadiar. Também não tinha obrigações a quem…
Era um divorciado de longa distância, quase meio século. Tinha muitos amigos e amigas, familiares também. Entre estes dois filhos, netos, um irmão e uma irmã. Os filhos já bem adultos tinham uma vida como muitas outras existências e preocupações. Ambos tinham filhos.
Como morava longe da sua rapaziada, não dava satisfações a nenhum dos familiares.
De tempos a tempos, António tinha uma namorada. A estória tinha começo, meio e fim. Passado um tempo tudo terminava. As mulheres, umas transformavam-se em amigas, outras vezes ficavam inimigas.
Na madrugada daquele dia, sua mente recebeu um apelo para ir vadiar até ao Oeste. Ao seu Oeste!
Barcellos não se fez rogado e decidiu ir. Desta vez, pensou que seria interessante ir para interiores pouco visitados. Zonas que conhecia mas que raramente lá passava.
Se assim o pensou, mais depressa o realizou!
Por isso foi um acaso, ou talvez não.
Talvez o destino. Quem sabe?
Ao passar através daquela aldeia, bem grande por sinal, António apercebeu-se de um restaurante. Parou para observar o local.
O estabelecimento estava instalado num edifício com primeiro andar, isolado das restantes construções. Recuado trinta metros em função da estrada que naquele local fazia uma acentuada curva, uma via com dez por cento de inclinação.
Já ali passara, quando atalhava para a costa oceânica, mas nunca lá parara. Nem para um café.
Levantara-se bem cedo para aquela vadiagem. Tomou um pequeno-almoço frugal, soja com flocos. Em tasca café, ou café tasca, aparecidas no caminho, já bebera dois cafés e um moscatel. Nos dois casos metera conversa e tomara alguns apontamentos.
Reparou que já começara a falar como bom saloio, fenómeno que acontecia sempre que ia de alma e coração para o seu Oeste.
O tempo foi passando e agora começava a sentir vontade de meter alguma coisa no estômago. Moral da estória, estava com fome. Já era quase treze horas e aquele restaurante estava mesmo no sítio certo.
Parou a Rocinante junto da porta de entrada do café. Já no exterior da viatura executou alguns exercícios físicos para desentorpecer os membros em especial as pernas.
- Águia Azul, que nome paradoxal para restaurante. Águia é do Benfica, azul é Dragão. Mas esperem lá. Temos a Águia francesa a ser esmagada pelo leão inglês. Como aparece no monumento na praça Mouzinho de Albuquerque no Porto, junto à avenida da Boavista. Já entendi tudo! O café deve fazer parte do restaurante…
Tudo isto pensou António d’ Barcellos nos poucos segundos que o levaram da carrinha à Águia Azul.
Então entrou no restaurante, sentido que algo o empurrava para ali. Seria a fome? Ou seria alguma aragem espiritual?
A vida é composta de milhares de encruzilhadas, todas elas muito importantes, mas umas mais que outras. Todos os dias, todos nós as temos. Uma simples mudança e a estória de muitos, será alterada.
Todos sabemos que é uma verdade de La Palice, mas raramente pensamos nisso.
Por um acaso, António chegou a uma encruzilhada. Por um acaso António entrou naquele restaurante da beira da estrada numa aldeia do interior do seu Oeste.
Em sala com alguma escuridão, o movimento era quase nulo, talvez doze a quinze clientes para uma lotação de cinquenta.
O nosso homem, não gostava de restaurantes vazios. Era mau sinal! Seria má comida, preços elevados, ou fora do circuito. Qual seria o caso dali?
Sentou-se! Uma senhora de meia-idade, um pouco mais nova que ele, pediu para aguardar. Foi com delicadeza e açúcar na voz. António respondeu-lhe no mesmo tom.
- Tenho todo o tempo do mundo, esteja à vontade.
- Muito obrigado senhor, mas basta-me uns minutos.
António nunca ali estivera, mas o ambiente parecia-lhe familiar. Começou a observar tudo atentamente. Pouco depois concluiu que gostava e subitamente sentiu-se bem. Estava em estado de euforia.
O homem conhecia bem a região, que tinha para ele uma serie de motivos de interesse, contudo o restaurante não conhecia. Enquadrado numa aldeia fora de estrada principal. Sentiu que era um sítio ideal para escrever longe do mundo, longe dos conhecidos.
Correndo da sala para a cozinha e da cozinha para a sala, a senhora de meia-idade não parava um momento, tudo fazendo. Dava prazer vê-la trabalhar.
António reparou que a mulher não perdia viagem, conjugando o trazer comida e bebidas com o levar de loiça para lavar. Estava atenta ao mais ínfimo pormenor. Chegou por isso à conclusão que ela tudo fazia no restaurante. Tudo não, do lado do café vinha de tempos a tempos um homem novo trazer os cafés, um jarro de vinho ou uma garrafa de água.
- Mais uma vez, boa tarde minha senhora. Que temos para o almoço?
A mulher explanou a ementa, que o António ouviu atento. Por fim lá tomou uma decisão.
Após algumas larachas de parte a parte, a funcionária partiu para a cozinha para tratar das entradas e do prato escolhido.
Quem estivesse de lado chegava fácil à conclusão que se estabelecera uma empatia entre António e Maria Júlia. Era este a nome da mulher.
O almoço estava a correr bem. António ia sempre dando dois dedos de conversa com Maria Júlia. Esta, sem parar o trabalho, ia respondendo.
O nosso sessentão, era um escritor amador. Gostava da região, interior de um concelho já de si interior. O seu tempo era todo o tempo do mundo, até a megera o chamar para atravessar a Ponte.
Ainda o almoço, longo por sinal, não terminara, António já sabia que Júlia era viúva e ultrapassara há pouco os sessenta anos. O filho Carlos ajudava tomando conta do Café. Era uma vida de muito trabalho mas limpa.
- Por acaso vocês não alugam quartos?
- Por sistema não, mas temos dois para alugar por períodos mais ou menos longos. Porquê, estava interessado? Tenho um muito bom com casa de banho.
- Diga-me o preço dona Júlia.
- Por favor deixe, dona, de parte. Só Júlia, Maria ou Maria Júlia O aluguer custa aquilo que combinar com o cliente, depende do número de dias, da época. Mas nunca abuso. Quaisquer vinte euros, sem pequeno-almoço, dão para pagar. Se for muitos dias ainda faço um desconto. Quantos dias, pretende ficar, senhor?
- António, ou Pedro se desejar. Chamo-me António Pedro: Diga-me o custo para uma semana?
- Uma semana, sete noites, faço cento e vinte euros sem pequeno-almoço.
- Está bem! Posso ficar hoje?
- Claro Pedro. Gosto mais de Pedro. Já agora, vai jantar?
- Sim Júlia! Vou estudar a aldeia e os arredores. Depois janto e ao serão vou trabalhar. Agora dê-me a conta.
- São doze euros!
- Aqui está mais vinte para o quarto. Às sete e trinta cá estarei para o jantar.
Após isto, António saiu para o exterior. Respirou a ar puro que soprava do lado da serra. Apreciou a paisagem que via do parque do restaurante. Meteu-se na viatura e conduziu até ao alto da colina. De lá a abrangência paisagística era imensa e espiritualmente bela. Longe ao fundo, para as bandas do oeste via-se o oceano.
Mais tarde queria caminhar pela aldeia que tinha um nome patusco. De súbito passou pelo nosso homem um bando pintassilgos. Foi um momento mágico, António adorava pintassilgos.
No restaurante, Júlia despachava os últimos clientes. Após lavar a loiça e arrumar a cozinha, foi preparar a sala para a noite. Voltou à cozinha para organizar os ingredientes para o jantar. Como costume não seriam muitos clientes.
Ao almoço não passavam de quinze a vinte, à noite seriam metade mais um menos um.
Depois da ida à colina, António voltou à aldeia. O tempo estava agradável, céu limpo mas sem excesso de calor, o frio também não incomodava.
Muitos idosos sentavam-se na soleira das portas. O escritor amador ia metendo conversa com alguns. De imediato estórias de vida vinham à baila. Passou resto da tarde nisso, gravando conversas com autorização dos intervenientes. Um sofisticado gravador de pequena dimensão era a sua principal ferramenta.
Aqui e ali foi tirando fotos, aos velhos, às crianças, aos animais, às casas e à paisagem.
Numa pequena taberna com pretensões a café, instalou-se. Bebeu a sua bica e o seu moscatel. Num caderno A5 quadriculado, foi tomando notas de alguns pormenores que não queria esquecer. Esta dos blocos quadriculados era uma velha tara assim como escrever a tinta negra.
Quando chegou ao restaurante, levou da carrinha uma pequena mala de viagem, sempre preparada para as suas fugas repentinas. Dentro tinha: cuecas, camisolas, camisa, pólo, meias, lenços, pijama. Também as higienes: gel de banho, shampoo, escova de dentes, etc. Alem disso o computador. Era um homem baldas, mas metódico, um paradoxo.
Ao entrar na sala, foi recebido por um sorriso de Maria Júlia. Via-se que ela estava feliz por o ter ali. Era compreensivo, era algo de novo na vida da bonita senhora.
- Então como correu a tarde José?
- Muito bem. Trabalhei bastante, foi produtivo. Mas gostei mais do almoço.
Uma expressão de prazer irradiou do rosto de Júlia. Que lindo piropo. Pensou a mulher.
António sentou-se e continuou a escrever. Fazia-o em velocidade estonteante, quase frenética. Júlia fascinada ia sempre observando pelo canto do olho.
Escolhido o jantar, escolhido o vinho a refeição foi um prazer, um êxtase. António a um canto da sala, acompanhava todos os movimentos de Júlia. O seu andar, as pernas, os seios que por vezes oscilavam, o cabelo que rodeava a belo rosto. António com o vinho, sentia crescer em si exponencialmente a beleza feminina. As feias tornavam-se bonitas, as bonitas ficavam maravilhosas. Ainda por cima Júlia era mesmo uma linda mulher, mesmo muito em função da sua idade.
Mas António gostava de mulheres de sessenta ou mais, embora Júlia não aparentasse a idade que tinha.
O nosso homem ficou na sala até sair o último cliente. Depois pediu a conta e a chave do quarto.
Recebeu da Júlia as informações necessárias. Ante de ele subir ao primeiro andar, ela inquiriu.
- José, vou para cima, por volta da meia-noite. Quer que lhe leve algum chá ou outra bebida?
- Sim Júlia, gostava imenso. Até porque gostava de falar um pouco consigo. Não há inconveniente?
- Terei muito prazer, não há inconveniente, sou uma mulher livre. Além disso o meu filho não fica cá, vai para sua casa que fica na rua de cima.
- Então vou trabalhar e espero por si.
Olharam-se e um subtil sorriso apareceu nos dois rostos.
António subiu a escada interior que dava acesso um pequeno hall transformado em sala de estar, entrou no quarto e ficou satisfeito. Era amplo, tinha cerca de cinco metros por quatro e uma varanda com vista para o vale.
Tudo tinha ar de limpeza, a mobília revestida a fórmica bege dava um ar de leveza ao ambiente. Era moda nos anos cinquenta/sessenta, este tipo de mobiliário, com o advento dos termolaminados. A cama de casal era larga e estava coberta com uma bonita colcha de renda em que predominava o azul e branco. Uma cómoda, um guarda-vestidos, duas mesas-de-cabeceira, uma secretária e duas cadeiras completavam a mobília. Minto! Havia ainda um bonito baú, um cabide de pé e outros dois aplicados na parede.
O quarto de banho ainda com banheira, tinha as paredes forradas a azulejo branco com tiras em azul. Tudo tinha muito bom gosto, embora nada de luxos desnecessários.
Como já disse, a quarto dava para uma ampla varanda, assim como o segundo quarto dava para a mesma varanda. Esse quarto era onde Maria Júlia dormia. Quando havia hóspedes para estes quartos, a mulher mudava-se para um pequeno nas traseiras do edifício no piso debaixo. Neste andar ficava o restaurante, café, garagem, dispensa e o tal pequeno quarto.
António tirou da pequena mala, pijama e chinelos, assim como a saqueta das higienes. O pijama é uma forma de dizer, tirou as calças, para cima dormia de camisola interior e no calor sem nada.
Foi lavar os dentes, depois ligou o computador. Abriu o caderno A5, sentou-se e sobre a mesa começou a escrever em ritmo acelerado. Queria pôr o dia no papel. Escreveu, escreveu, escreveu!
Embora houvesse TV no quarto nem lhe passou pela cabeça ligar o aparelho. Um pouco de música clássica fazia-lhe falta, mas decidiu passar sem esse prazer.
Para ele, a música maior no momento, era a doce voz de Maria Júlia.
A estadia naquele quarto fora de impulso. Atitude que António fazia em muito lado. Por isso, levava no carro, sempre, a mala preparada com o imprescindível.
Na parte de baixo, Maria Júlia arrumava a cozinha para depois organizar os produtos para o almoço do dia seguiste. Ela numa decisão de boa gestora e bom senso, confeccionava os menos pratos em cada dia da semana. Um dia cozido à portuguesa, outro dia bacalhau com todos, outro dia feijoada, outro dia borrego e por aí fora.
Maria Júlia era muito eficiente. Conseguia fazer tudo porque o seu planeamento era bem pensado e rigoroso. Trabalhava das oito da manhã até às vinte e quatro, dezasseis horas de labuta era obra. Embora a pressão não fosse sempre igual, nunca fazia as tarefas a correr, ou à balda. Era uma grande fundista da vida.
Enquanto executava as tarefas do fim do dia, Maria Júlia pensava no senhor António Pedro d’ Barcellos que aparecera nesse dia ao almoço e que agora estava no quarto principal no primeiro andar do seu edifício.
No seu pensamento de pessoa inteligente mas simples, ela sentia que ele ficara por causa ela. E como tinha razão.
Na verdade, raramente a bonita mulher aceitava alugar os quatros por uma noite ou duas. Ela por vezes alugava por períodos longos a professoras, funcionários públicos, ou para receber família.
Naquele caso não resistira, desejava mesmo isso. Houve algo a tocar no seu subconsciente. Sentiu-se bem, sentiu-se feliz, sentia-se a flutuar.
Pensou em voz alta: Que bebida vou levar? Levo chá de cidreira, é bom para os nervos, estômago e para dormir.
Depois continuou, desta vez só para ela: Que fará este homem tão distinto? Deve ser professor, escritor ou coisa parecida.
Já com a sala das refeições e cozinha em ordem, a Júlia preparava as hortaliças para o dia seguinte, da cabeça não saía o homem que entrara nesse dia na sua vida: Vou levar o chá e bebo também. Será no quarto ou será melhor na saleta do primeiro andar? Ele que decida: estou por tudo!
Num tabuleiro meteu o bule, duas chávenas, açúcar, um prato de bolos secos e dois guardanapos. Antes de subir, foi ao quarto de banho e deu uns retoques no rosto e no cabelo. Sorriu, gostou do que viu. Ao bater das badaladas da meia-noite, Maria Júlia pegou no tabuleiro e subiu as escadas interiores de acesso à habitação. Ia feliz mas muito nervosa.
Maria Júlia tinha sessenta e dois anos, mas ninguém lhe dava sessenta. Era loura mas verdadeira. Era daquelas mulheres que apareciam de tempos a tempos nas grandes famílias das aldeias do centro e norte do país. Obvio que também apreciam machos. Os cabelos tinham a cor das barbas de milho. Os rapazes designavam-se por russos e as mulheres por louras. Maria Júlia era uma loura.
Nascera numa aldeia da serra Amarela lá para os lados do Gerês no Minho.
Ainda adolescente fora para o Porto para servir em casa de gente importante. Mas pessoas decentes que sempre a respeitaram. Passaram-se alguns anos até conhecer o magala Agostinho.
Depois de um namoro de um ano, após a passagem à disponibilidade do rapaz, juntaram os trapinhos e casaram. Continuaram no Porto uma temporada.
O rapaz era um bom homem, pedreiro de profissão.
Um tempo depois devido à falta de trabalho na cidade invicta, partiram para a região do Agostinho no Oeste do país. Aqui o marido de Júlia herdara dos pais uma fazenda e uma casa velha embora grande.
Um dia, através duns primos proporcionou-se uma hipótese de ida para o Canadá e eles foram.
Lá longe nasceu o filho Carlos. O único do casal.
Ela não desgostava do Canadá e do frio que lá havia, porque era natural de uma serra e tinha sido habituada à neve. O pior era o Agostinho, tinha saudades do clima do Oeste, único na Europa. Nunca se adaptou a emigrante do frio. Por outro lado Portugal com a entrada na UE parecia crescer a olhos vistos.
Decidiram regressar! Com o dinheiro amealhado e a reforma que valia muito no país natal, Agostinho decidiu fazer obras no velho casarão. No projecto incluiu um restaurante e um café.
Assim nasceu o restaurante onde Maria Júlia trabalhava dezasseis horas por dia, todos os dias da semana.
O filho já crescido não quis estudar. Casou com uma moça da terra e ficou a tomar conta do café. Agostinho, entretinha o seu tempo fazendo uns biscates na construção civil e na lavoura da sua fazenda.
Estava tudo certinho naquela normalíssima família!
Um dia, já lá vão doze anos apareceu uma coisa má ao patriarca da família. Após uma luta inglória, Agostinho partiu para se juntar aos seus antepassados.
Maria Júlia ficara viúva aos cinquenta. Após sentido desgosto, reagiu e agarrou-se com afinco ao negócio. Ela e o filho lá se foram desenrascando.
Embora muitos homens a contra piscassem, porque era bonita, jeitosa e com haveres, nunca mais quisera homem. Até porque nenhum a encantara.
Nas noites de desejo e desespero que a abafavam, Maria Júlia tocava-se sem qualquer complexo. Fora uma jovem professora que a ensinara.
E assim chegámos ao dia de hoje!
António Pedro d’ Barcellos quem era?
Simplesmente um homem do mundo!
Um ser com muitas paixões. Não me refiro só a mulheres. Falo de muitos outros interesses, incluindo a paixão pela vida. Gostava de muita coisa, mas de mulher também. Mas escrever, escrever, escrever, era a sua maior paixão.
Homem de muitas vidas de que não falaremos, exceptuando o necessário.
No seu agradável e confortável quarto o nosso António Pedro d’ Barcellos. Escrevia sobre o dia, dia muito gostoso. Desde o momento que partira de casa na sua Rocinante a caminho do seu Oeste.
Ainda pensara desafiar o seu irmão José ou a sua irmã Maria Rita. Algo lhe disse para ir só. E assim, partiu sem companhia.
António visitou pequenas coisas nesse dia, escreveu, conversou, tirou fotos. Pequenos monumentos, nascentes, colinas, paisagens. Apreciou, árvores, flores e muitos pássaros. Alguns repteis, um coelho aqui uma lebre ali. Com autorização fotografou pessoas, conversando um pouco com cada.
Nada disso era invulgar, António fazia isso com regularidade. Tanto nas aldeias como na cidade grande.
O tempo foi passando. António voltou à actualidade quando ouviu a primeira badalada da meia-noite no sino da igreja da aldeia.
Voltou o seu pensamento para a Maria Júlia e a sua alma sorriu.
Pouco depois ouviu umas suaves pancadas na porta. Elas diziam que a dona do restaurante estava do lado de fora com o combinado. António levantou-se e foi abrir a porta.
Um dentro outro fora, ficaram uns minutos a olharem-se como se as duas almas estivessem a falar entre si, através dos sentidos em especial dos olhos negros do António e dos verdes de Maria Júlia.
O homem quebrou o silêncio.
- Que bebida trás Júlia? Onde bebemos?
- Cidreira. Por mim onde quiser, seja no quarto seja na saleta.
- Não se compromete se for no quarto?
- De maneira nenhuma. Não está ninguém na casa, além de nós. O meu filho foi para sua casa. Além do mais sou mulher livre não tenho satisfações a dar.
- Vamos para a saleta e aproveitamos para conversar um pouco.
António sentiu na expressão de Maria Júlia uma ligeira frustração. Os olhos denunciaram a bonita mulher. Mas isso durou poucos segundos.
Em breve estavam conversando sobre os mais variados temas. Maria Júlia não era uma pessoa culta, mas disfarçava mostrando muito interesse por tudo que o homem falava. Por sua vez, o Barcellos, tinha cuidado de não exagerar nos temas nem na complexidade que podiam deixar a Júlia pouco à vontade.
Passou-se assim meia hora. O chá foi bebido e repetido e os bolos deglutidos. Em certa altura Júlia disparou.
- António Pedro fica cá só esta noite. Fica cá mais alguma? Voltará cá mais vezes?
O homem sabia que o caminho para o Éden estava aberto, contudo sentiu que Maria Júlia estava bem cansada devido ao dia de labuta. Por isso achou por bem não forçar. Para quê matar já a magia.
- Júlia, penso ficar cá mais duas ou três noites. Penso voltar mais vezes. Sinto-me bem na região, a sua comida é muito boa, o quarto é excelente. Além de tudo o mais sinto uma grande empatia com a Júlia.
Para uma pessoa atenta, esta conversa do António era uma declaração de intenções…
- Fico contente, muito feliz mesmo! Agora vou descansar que amanhã às oito tenho de entrar ao serviço. O restaurante não pára.
- Tem razão, já é quase uma hora e tem um ar cansado. Mas está bonita e com ar feliz.
Júlia sorriu e um ligeiro rubor surgiu nas suas faces claras. Depois António disparou a seta final.
- A Júlia quer que venha cá com regularidade?
- António. Eu quero que venha muitas vezes e se cá ficar para sempre, ainda fico mais feliz!
Sorriram ambos, emocionados despediram-se sem se tocarem…
Amanhã seria outro dia… Eles sabiam isso!
Fim da primeira parte
3/2/2016
Nota explicativa
Agora levanta-se uma questão:
Continuar ou não a estória?
Ou será melhor deixar neste pé, escrevendo no fim. Um dia terá uma continuação?!
Penso que a estória ficará assim mais elegante, deixando ao leitor o desejo de saber mais. Deixando ao leitor interessado o desafio para ele escrever a segunda parte. Cada um pode imaginar a sua própria continuação.
Que titulo colocar? Veio-me um à mente, “Um dia no Oeste”. Mas podia ser um outro qualquer. Por exemplo, “ Conto incompleto”.
Como todas, as minhas estórias, esta também tem elementos concretos e personagens copiadas de algum lado, o caso da Maria Júlia e do meu heterónimo António d’ Barcellos. O local existe assim como o restaurante, as paisagens também com sua beleza.
O resto é ficção!
Obviamente é tudo no interior do meu Oeste!
Francisco Pereira de Castro








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