Conto de Natal 2015
Rosas
brancas
Estávamos no Natal de
um certo ano do século vinte e um, era já a década de vinte, talvez vinte e
oito ou vinte e nove. Para a nossa estória tanto faz.
Um rapaz bonito, de
muito bom aspecto, foi visitar uma senhora, de idade, ao Lar para idosos
situado na base do Montejunto.
Ali estavam internadas,
umas largas de dezenas, de mulheres de todas as idades. Algumas, um pouco, doentes
da mente. As patologias eram as mais diversas.
O rapaz levava com ele
um ramo de rosas brancas, rosas de grande pureza que nem espinhos tinham.
No jardim florido, mas
agora pouco, o sol aquecia o corpo engelhado daquela bonita idosa. Para as
arcadas, dona Sara fora levada, a seu pedido, após a refeição do almoço.
Sentada num confortável
cadeirão com rodas, Sara não desviava a vista do portão de entrada do Lar
Clínica, que distanciava cinquenta metros do edifício principal.
O seu maior desejo e
esperança era, que o seu namorado aparecesse ao fundo, na esquina da rua, com o
seu passo gingão e ar irónico de menino presunçoso. Mas era tão bonito, tão
bonito…
Tinha muitas saudades
do seu grande amor João Simão.
Estávamos na época
natalícia, o tempo estava frio, mas o céu límpido num azul fascinante, dava à
paisagem um toque de grande beleza. A montanha no seu jogo de verdes e
pedregulhos, dava um toque de grandeza ao cenário.
Entre as onze da manhã
e as quatro da tarde, o sol aquecia o espaço junto às arcadas do edifício,
daquele Lar Clínica, de luxo, para senhoras com problemas da mente e não só.
Sara, era uma dessas
doentes. Uma idosa sedutora, no seu sorriso bonito. Não era agressiva, mas sim
doente das doenças que a velhice trás com ela. Nada de grave havia na sua
postura ou comportamento. Sempre doce no seu falar e simpatia para todos.
Sonhava a dormir e
sonhava acordada. As viagens ao passado eram constantes e cada vez ia mais
longe. A memória recente estava sempre a apagar-se.
Era um pouco louca, mas
uma loucura boa. Era essa a opinião do pessoal da clínica.
Estava ali internada,
porque a família não tinha condições humanas para tomarem conta dela em casa.
Toda a vida fora super
dinâmica, não parava, mas os oitenta e cinco anos deitaram-na abaixo. Ainda
queria andar de rabo alçado (como dizia o seu Simão), mas não podia. Os ossos
não aguentavam!
Temos de concordar que
a velhota estava bem, naquela excelente instituição.
- Dona Sara, não quer
recolher ao salão? Em breve vai arrefecer…
- Não minha querida.
Quero ver entrar o meu João Simão.
Esta era a principal
cisma de Sara, esperar pelo seu amor. Infelizmente ele nunca chegava e o
pessoal até duvidava que ele fosse vivo, ou tivesse existido.
- Faz-se tarde dona
Sara, hoje o seu amigo não deve vir. Talvez amanhã.
A empregada sabia que ele
não viria, pois nunca aparecera. Se calhar até nunca existira, excepto na
cabeça dela.
- Não! Ele vem! Olha,
lá vem ele. Como vê estava certa. Vem amor…
Na verdade, um jovem
entrara no espaço da clínica, encaminhando-se para o edifício. Trazia com ele um
braçado de rosas brancas.
Era um rapaz bonito e
simpático, visita habitual da idosa, Era o seu neto Francisco. Adorava a avó e
regularmente estava no Lar para visitar Sara.
O jovem, sabia bem das confusões
da avó. Tão depressa, pensava que era o seu amado Simão, como mais tarde
reconhecia o neto. Por isso ele era muito cuidadoso no trato com a velhota.
Pensou: “onde estará hoje o pensamento da minha avó?”
Ao ver o rapaz perto de
si, um largo sorriso apareceu no enrugado rosto, ainda com laivos de beleza que
o sorrir fazia realçar.
- Olá Simão! Vieste ver
a tua velhota?
O rapaz não se
desmanchou, de nada valia se o fizesse, era mehor deixá-la na ilusão. Era feliz
assim… contudo, sempre que podia atalhava a conversa.
Sara, continuou.
- Meu querido, tens de
ter cuidado ao visitar a tua menina. Os meus pais não estão longe. Se
aparecerem, dizes que és meu colega no conservatório.
- Mas avó, eu não ando
na música e os pais da senhora já morreram há muito.
- Disparate João, não
brinques comigo. Talvez isso seja daqui a setenta anos. Vem dar-me um beijo às
escondidas.
O rapaz deu dois beijos
à avó, mas foi dizendo.
- Avó, avó, que se
passa? Sou seu neto.
A velhota não
desarmava, estava na sua ilusão. Ela tinha catorze anos e o neto era o seu amor
dessa época o João Simão.
Uma enfermeira fez
sinal para ele não ligar, nem desmentir.
Francisco beijou mais
uma vez a avó e entregou-lhe as rosas brancas.
- Gosto muito de rosas
brancas. Tu nunca esqueces isso João. Senta-te aqui ao pé de mim. Daqui pouco
vamos até à borda de água, ver os patos e andarmos de barco. Agora vou
descansar um pouco. Não te vás embora.
O rapaz não sabia que
dizer mas anuiu com a cabeça, ao mesmo tempo que acariciava o rosto da sua
querida avó.
Minutos depois, a
velhota dormia e o seu bonito rosto parecia estar em paz.
A enfermeira, ajudada
por Francisco, levou o cadeirão com Sara para o salão da instituição. Pelo
caminho esclarecia o rapaz que aqueles lapsos eram efeitos da doença. Cada vez,
dona Sara estava mais no passado e menos no presente.
Francisco no salão,
sentado junto à avó, recordava que há muitos anos conhecera Simão. Era já
velhote e sua avó também, mas bem mais nova que agora. Almoçara com eles, teria
na altura uns oito anos e mais tarde jantaram também, mas já com onze ou doze.
Era um homem simpático, ele e a avó faziam um bonito par. Mas pouco mais sabia
dessa estória.
Passados quarenta e
cinco minutos, Sara acordou e ficou muito contente por ver o neto. Voltara ao
presente.
- Estás aí Francisco?
Dá cá um grande beijo, muitos! Como estão lá por casa?
- Sim avó. Está tudo
bem, temos saudades suas. Venho dizer que na noite de Natal vimos cá todos.
Quer pedir alguma coisa de especial?
- Não querido, a vossa
presença é o suficiente. Gostaria de ter cá um velho amigo, mas nada sei dele,
se calhar nem é vivo. Vou dar-te dinheiro e tu ficas encarregue de comprar
prendas para todos. Inclusive para ti.
- Sim avó, eu trato
disso. Tenho pena de não saber do seu amigo, eu compreendo.
- Tenho sim Francisco,
muitas saudades, mas deixa lá, um dia destes parto e pode ser que o encontre.
Agora vai para casa que se faz tarde e começa a estar muito frio. Cuidado com a
viagem!
O rapaz partiu e a
senhora foi tomar os medicamentos e beber um pouco de chá de cidreira.
Dias depois…
Na noite de Natal desse
ano nevou no Oeste. A família apareceu toda no Lar. Não eram muitos mas era o
que ela tinha.
Comeram, beberam,
trocaram prendas, riram-se muito. Falaram de familiares e amigos, uns vivos outros que já tinham partido. Foram
recordações, umas tristes outras felizes.
Em dado momento, Sara
ainda desabafou.
- O João Simão não
apareceu…
Todos fingiram não
ouvir. Após o bater da meia-noite, foram as despedidas com muitos beijos. Todos
estavam felizes com os presentes!
- Tenham cuidado no
regresso a Lisboa. Obrigada por tudo!
Após a saída dos
familiares, Sara foi lavar os dentes. Olhou-se ao espelho e sorriu para si,
dizendo em voz alta.
– Ai João, João, meu
safadinho!
Depois deitou-se na
confortável cama daquele Lar do Montejunto. Queria recordar, recordar,
recordar. Podia ser a sonhar ou acordada.
As horas passaram, a
neve continuava a cair, toda a serra estava coberta com intenso manto branco.
Ainda não clareara,
quando Sara ouviu bater na vidraça das portas que davam para a varanda.
Assustada foi ver o que se passava. Do lado de fora estava um velho vestido de
pai Natal, mas não era vermelho mas sim verde como o São Nicolau.
Ele insistiu no bater e
ela abriu…
Era o seu João Simão!
- Que fazes aqui
mascarado de pai Natal. Estarei a sonhar, meu Deus.
- Não estás a sonhar
minha querida, sou eu, sim! Trabalho na Lapónia como pai Natal. Acabei agora as
entregas, vou regressar.
Sara, não sabia como
reagir, sentia-se leve com se fosse a menina de catorze anos. Estava tão feliz,
mas não entendia nada. Abraçaram-se…
- E agora meu querido?
- Agora? Agora vais
comigo, tenho ali o trenó e agasalho para ti. Vamos!
E foram! Pouco depois o
trenó sobrevoava a montanha mágica na direcção do pólo norte…
No lar, na manhã
seguinte, devido à demora a empregada entrou no quarto da dona Sara. Estava lá
o corpo, com uma expressão de felicidade. A alma partira para a Lapónia com a
alma do João Simão.
FIM
7/1/2016
Este conto de Natal é
dedicado a uma pessoa especial, com a maior gratidão, respeito, ternura e amizade!
ZM
Bonito conto de Natal, o autor está de parabéns, demonstra imaginação e sensibilidade. Penso que deve ser uma metáfora. Gostava de conhecer a história real!
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário! É um humilde conto, escrito com ternura. Para conhecer a estória, terá de fazer o pedido sem ser como anónimo.
ResponderEliminarOs corpos gastos pela vida e pelo tempo, entardecidos, como diz o imenso Mia Couto, são um jardim no fim do outono. Tento na minha escrita embelezar esse fim de viagem. Se não consigo, fico triste. Mas ao menos tento!
ResponderEliminarUm conto de Natal onde tudo parecem rosas, neste caso " rosas brancas".
ResponderEliminarA verdade é que a idade avança, as limitações aparecem, os familiares não têm condições e assim, vamos nós parar aos lares ou lares/clínicas, estes últimos só para alguns estratos sociais.
Todos se juntam lá, uns com Alzheimer, outros com outras patologias e assim, sem saberem bem onde estão, conservam na sua memória um passado longínquo onde as recordações funcionam como estímulo à realização de um sonho.
Todos os dias se mantém o mesmo ritual e Sara sentada na sua cadeira espera o homem que amou, com a certeza que ele aparecerá.
No espaço onde se encontra, e porque é Natal aparece o neto, homem que, momentaneamente, pensa ser o seu João Simão. Volta por instantes à realidade e é encaminhada, então, para o seu quarto.
Deitam-na e adormece num sono tão profundo que João Simão leva-a consigo para um lugar onde a magia é perpétua.
A magia é teres a capacidade e a criatividade de escreveres Rosas Brancas, conto de Natal.
Gostei muito.
Abraço
Conto muito engraçado.
ResponderEliminarGostei muito.
Parabéns.
Obrigado pela simpatia!
EliminarForça com um livro de contos!
ResponderEliminarAo conto de Natal adiciono mais um comentário.
ResponderEliminarMuitos já percorreram o caminho, outros irão ser depositados em lares ou afins sem terem a noção de quem são e onde se encontram.
Assim e sós, viverão em estado de letargia até ao fim do fim.
Nem tudo são rosas.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
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