sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Encontro no interior

Encontro no interior
O casal Rosa Pedro andava viajando sossegadamente pelas estradas secundárias do seu país natal. Não eram ricos, não tinham excesso de recursos financeiros, contudo, tinham meios para fazer uma vida desafogada.
Gostavam imenso de viajar pelo país. Faziam disso, um dos prazeres da vida. Visitavam o mundo rural com ânsia de saber. Nas vilas, aldeias, simples lugar ou casal, falavam com as pessoas, fossem crianças ou idosos, homens ou mulheres. Apreciavam os pequenos monumentos, mesmo os mais simples, por vezes uma pedra com história. Gostavam de fotografar pessoas, animais e casas. Adoravam ouvir a bandas de música, fossem grandes ou pequenas, assim como danças e cantares do povo.
Tinham admiração e fascino pelas paisagens, mesmo a mais banal. Uma pequena colina, um ribeiro, um campo de milho, a floresta. A natureza no seu todo com suas formas e seus verdes tão variados.
Ficavam um ou dois dias em cada povoação, por vezes só umas horas. Dormiam em pensões económicas e tentavam comer em tascas. Normalmente petiscos ou refeição frugal.
Os locais de culto não ficavam por visitar, o Deus podia ser qualquer um e os santos também. Predominava a fé de Roma por onde passavam, embora aqui e ali fossem encontrando outros credos.
Naquela tarde do principio de Março, em que o inverno batalhava com a primavera, numa luta com vencedor anunciado. O casal Rosa Pedro, descansava sentado num banco de granito, na pequena praça daquela vila de segunda. Tinham almoçado na tasca do Damião, amigo de outras visitas à povoação.
Era dia de mercado, ou talvez, feira, fosse o termo mais correcto. Acontecia no terceiro domingo de cada mês. Era pequena mas metia muita gente que aproveitava para os mais diversos objectivos: comprar, cavaquear, cortar na casaca, comer, ou simplesmente apanhar uma piela, que por sinal eram muitas.
Os feirantes eram poucos, mas havia de tudo um pouco à venda.
Uma barraca vendia tudo o que fosse ferramenta para trabalhar a terra e não só. Enxadas grandes e pequenas, sachos e cavadeiras, picaretas, pás, forquilhas, chaves, chavinhas e chavetas, cabos, vassouras, facas, facalhões e canivetes, serras e serrotes, pregos, parafusos e porcas, ratoeiras para ratos, coelhos e raposas. Poderia estar a descrever os artigos daquela barraca, mas era preciso muitas folhas do meu bloco A5. Não se justifica, só quero dar uma imagem rápida dessa barraca coberta a lona como todas as outras. Todos conhecem o género que aparece em todas as feiras do país, pequenas médias ou grandes.
Havia duas barracas de tecido (roupas), uma virada para artigos confeccionados, outra para artigo em bruto ou para artigos de não vestir, como panos, fazendas, toalhas, lençóis, mantas, etc. Alguns artigos semelhantes eram vendidos nas duas barracas, por isso concorrentes.
Havia uma barraca de bugigangas, que ia desde brinquedos, em plástico, lata e madeira, a pequeno mobiliário. Havia cestos e cestinhos em verga, utensílios em plástico com predominância para os alguidares e seus afins. Santinhos e mais um milhar de porcarias que o povo gosta de ver, em especial a garotada que por ali andava.
Havia três bancas de produtos alimentares. Um de verduras, outra de animais vivos, a terceira de enchidos, presunto e queijo.
Claro, não faltava as barracas dos petiscos e muito vinho. Eram duas porque os clientes eram mais que muitos.
Os pregões soavam por todo o lado num conflito vocal, em que cada um queria ser mais ouvido que o outro.
Estava o nosso casal Rosa Pedro muito divertido, apreciando o reboliço do mercado, quando a sua atenção foi despertada pela chegada de uma carripana que queria à força passar pela praça. Óbvio que não conseguia!
Estava tudo entupido e não dava mesmo. Tentaram forçar, apitaram, mas nada. Nada não! Ouviram duas ou três expressões muito em uso no nosso povo, seja no sul, no centro ou no norte. Mas lá para cima nem palavrão chega a ser. Ah! Ainda foram mimados com uns gestos não menos genuínos. Toma! Feito de duas maneiras, com o dedo grande e com o braço esquerdo atravessado no direito e este fechado. Estilo Zé Povinho!
O condutor do carrito acabou por o estacionar numa pequena travessa, dirigindo-se depois para a confusão do mercado.
O casal Rosa Pedro olhou-se sorrindo, com pensamento semelhante. Muitas vezes nem precisavam de dizer nada um ao outro, tal era a sintonia mental. Pensavam: 
“Condutor pateta, querer passar à força na confusão da feira. Mas que carro giro têm e carismático, já se encontram muito poucos. Que anda a fazer por aqui um casal jovem com ar tão distinto?”
O carro era o “dois cavalos”, viatura fabricada pela Citroen, que se transformou num clássico…
Na travessia da feira, passando por aqueles que há pouco faziam os tomas, mas agora fingiam não os ver, os jovens foram-se aproximado do banco onde divertidos os nossos idosos apreciavam o panorama.
Antes de continuar a narrativa, quero esclarecer. Rosa e Pedro, parecendo nomes próprios, eram na verdade apelidos do Joaquim, por isso seu nome completo era, Joaquim Manuel da Rosa Pedro. A mulher era Eva da Conceição Ramos Pedro. Este último apelido, recebeu do companheiro.
Estavam de mãos entrelaçadas quando o tal casal jovem se aproximou.
Eva exclamou…
- Olha Joaquim. Os miúdos são o Filipe e a Manuela! Que andarão a fazer por estas bandas?
- São eles, tens razão!
Naquele preciso momento o rapaz sintonizou a vista com o casal de idade.
- Manuela! Está ali o casal Rosa Pedro. Que coincidência…
- Este casal é o máximo, parecem estar em todo o lado.
Foi assim o encontro entre os dois casais, distanciadas duas gerações. Os miúdos eram filhos e netos de amigos, tanto do Joaquim como da Eva.
Viviam juntos há dois anos mas não eram casados. Foi amor de universidade onde se formaram, ele em história, ela em filosofia.
- Então meninos que fazem por esta parvónia? Estão de férias? Ou fugiram do mundo falsamente civilizado?
- Nada Joaquim! Andamos em trabalho. Agora está muita confusão por aqui para contar. Nós vamos ficar cá na residencial.
- Nós também ficamos mais uma noite. Vamos todos jantar a uma tasca que conhecemos há muito. Pensamos partir para outra terra amanhã à tarde. Barco parado não faz viagem.
- Então vamos à pensão tomar banho e esperamos lá por vós. Às dezanove está bem?
Quem assim falou foi Manuela uma rapariga desenrascada, alta e esguia, cabelo comprido, negro e liso. Olhos negros em rosto moreno. Tinha corpo de atleta com seios pequenos. Mulher de ar felino nos seus exuberantes vinte e quatro anos.
- Sim filha, por nós tudo bem. Ainda vamos visitar uma ponte romana que fica a um quilómetro daqui.
Eva fez a confirmação acompanhada pelo seu encantador sorriso. Gostava daquele casal que achava muito amoroso. Ela era uma eterna apaixonada, admirava a postura dos miúdos. Era assim que o casal Rosa Pedro gostava de designar aqueles dois jovens.
Pouco passava das dezanove quando os dois casais se voltaram a juntar, na Pensão Central. Muito central e sem concorrência, instalada na parte medieval da vila. Era confortável e asseada. Também serviam refeições, mas Joaquim e Eva, adoravam curtir tascas, onde encontravam sempre gente do povo e não só, para cavaquearem, ouvir estórias e até tirar algumas fotos. Joaquim escrevia contos, muitos eram baseados nessas conversas. Eva pintava e na tasca recebia inspirarão para fazer o seu hobby. Escrever e pintar era mais um complemento nas suas vidas: bastante multifacetadas. Ah! E ambos escreviam poesia…
Saíram da pensão e partiram “pelo seu pé” para a tasca do senhor Damião. Viagem que fizeram em cerca de vinte minutos, andando devagar, caminhando através de ruelas estreitas, da histórica vila com casas de pedra e calçada também de granito.
Durante o percurso, foram-se informando sobre os familiares e amigos de amizade comum: pais, avós, irmãos, primos, amigos, etc.
Finalmente chegaram à tasca, daquelas tipicamente portuguesas. Foram recebidos por Damião, que apareceu com um sorriso de orelha a orelha, por debaixo do bigodão de estimação.
O tasqueiro encaminhou os clientes para um agradável recanto, junto à lareira já acesa. Os dias estavam bonitos e primaveris, mas ao cair do crepúsculo a temperatura arrefecia drasticamente. A vila ficava na encosta da serra e por vezes ainda nevava naquela época do ano.
Escusado será reafirmar que Eva e Joaquim já tinham no Damião um amigo, conhecido de outras passagens por aquela vila.
- Boa noite, amigos: aos antigos e aos novos!
- Boa noite Damião. Este casal jovem, são nossos amigos e de famílias amigas. Hoje na vila, encontrámos os meninos por mera coincidência. Que temos hoje para dar consolo aos nossos esfomeados estômagos?
- Prazer em conhecer! Bonito casal. Dona Eva. Temos um cabrito no forno que deve estar cinco estrelas. Estava mesmo à vossa espera. Acompanhado de batata também no forno, arroz branco e legumes ao vosso gosto. Bom não é?
Todos aceitaram o cabrito, Joaquim adorava, então tostadinho no forno era uma maravilha. Eva tinha boa boca, gostava de tudo, era mais apreciadora de leitão. Mas o cabrito também marchava! Os jovens também não se negaram.
- Vou trazer uma mão cheia de entradas. E bom vinho!
Passados minutos, apareceu na mesa: queijo da serra, presunto e azeitonas, pão caseiro e broa de milho.
Para beber, Damião meteu na mesa dois jarros de vinho, um de branco, outro de tinto. Na brincadeira declarou: branco para as senhoras tinto para os homens.
Tudo era mágico naquela tasca, o calor da lareira, a penumbra da sala. Uma música sem palavras que mal se ouvia, soava doce nos ouvidos dos presentes. A comida e o vinho na longa e tosca mesa, davam um ar rústico ao ambiente.
Era esfuziante a felicidade de todos, incluindo Damião a sua mulher, a cozinheira, e até dos outros clientes que se foram aproximando. Momentos únicos que ficam gravados para sempre, na mente de cada um.
Em dia normal as entradas chegavam para alimentar o casal Rosa Pedro, mas naquela noite a magia andava no ar. Comeram e beberam até fartar.
Eva ia tirando algumas fotos e Joaquim fazia versos de improviso, declamados como se de fado fossem.
Depois… serão fora, falaram de tudo e mais alguma coisa. Falou o Joaquim, falou a Eva, falou a Manuela. O menos falador era o Filipe. Mas o rapaz estava atento a tudo em especial ao que a sua amada dizia.
Bem comidos e bem bebidos, chegou a hora do café e do digestivo, coisa que o casal mais velho não dispensava.
Por fim a conversa derivou para o momento actual, respeitante à vinda do casal jovem, para aquela vila. Foi Eva a abordar o assunto.
- Então que vieram fazer os meninos a esta região, tão interior, tão longe de casa e tão longe no tempo?
Foi a Manuela a dar troco, enquanto os homens embevecidos olhavam para elas.
Tudo continuava mágico no interior da tasca, fluidos de prazer flutuavam na sala. As chamas da lareira, com seu amarelo e vermelho, faziam uma dança repetida mas nunca igual, como as nuvens sobre a serra ou as ondas no mar.
- Viemos em trabalho! Foi o que se arranjou nestes tempos difíceis. Viemos fomentar…melhor dito: vender!
- Vender, mas vender o quê?
Dois jovens licenciados, um em história, outro em filosofia, aparecem numa vilazita do interior, num dois cavalos, para vender: coisa estranha. Pensaram Eva e Joaquim.
- Viemos promover a fé em Cristo! Por isso vender, porque somos pagos para isso.
- Pagos como?
- Por cada aderente, recebemos um prémio e depois na continuação uma comissão sobre o dizimo do novo crente.
Filipe nada dizia, só concordava com a cabeça. Via-se timidez e receio, no rosto quase imberbe do jovem licenciado em história.
- Respondemos a um anúncio e fomos aceites. Tirámos uma formação compactada, fizemos uns exercidos para praticar. Depois fomos enviados para o mato, como costumam dizer os vendedores seniores. Por aqui andamos tentando convencer alguém. Mas os povos estão muito enraizados na igreja católica e controlados pelos padres. Mas Joaquim, nós acreditamos no que andamos a fazer, mas nada conseguimos.
Foi Manuela que falou. Depois Filipe acrescentou.
- O gratificante é: estamos juntos e vamos conhecendo o interior do país. Entretanto desistimos, a derrota está certa!
- Que acham desta estória meus amigos?
- Manuela, minha querida Manuela. Aqui o Joaquim, que sou eu, acha que é uma missão muito difícil, mas não impossível. Em qualquer dos casos pode ser muito enriquecedora. A vossa inexperiência na vida é um tremendo handicap. Mas como diz o Filipe, serve para passear e aprender.
- Joaquim, não tem nenhuma ideia ou sugestão para nos dar?
- Talvez Manuela. Esta noite e amanhã de manhã com a cabeça fresca eu vou pensar. Vou trocar opiniões com a minha amada Eva que tem visão e inteligência. Ela vai ajudar…
Após um silêncio, onde só se ouvia o crepitar da lenha na lareira, Joaquim fechou o tema.
- Vão para a pensão, façam amor e durmam que nós vamos fazer o mesmo. Amanhã ao almoço, falamos!
Após esta decisão, Eva foi pagar conta.
Depois os quatro saíram para a calçada de pedras negras, foram brincando, fazendo passos de dança, cantando em coro, desafinado, canções de intervenção.
Pareciam quatro adolescentes em noite de bebedeira, o que era o caso…
Nessa noite, preocupado com problema do jovem casal, ou devido ao excesso de comida e bebida, Joaquim não conseguia adormecer. Junto a si no lado direito, Eva dormia com o corpo encostado ao seu, estando o rosto sobre o seu peito. Era bom sentir o calor da sua amada. A bonita idosa dormia confiante com uma expressão de felicidade e paz.
O nosso homem ia pensando. – “Que conselhos posso dar aos miúdos? Nesta questão tão melindrosa e até ridícula”.
A mente, do Joaquim, dava voltas e mais voltas, elaborando alternativas para poder ajudar Filipe e Manuela.
O seu problema não era ter nada para dizer, antes pelo contrário. Isso não era óbice! Tinha muito para poder falar, aconselhar, divagar, filosofar e muita demagogia.
O busílis era fazer uma síntese, fácil de entender e que fosse útil à tarefa dos jovens. Meninos inocentes pensando saber tudo…
Aquela igreja, patronato, ou que treta for, enviar após um curso concentrado dois inocentes para as feras, era uma tolice. Que raio de estupidez ou maldade! Ainda se fosse para vender livros, perfumes, lotaria, férias, e mais um milhão de produtos, agora vender a fé… que raio de disparate.
Embora a fé fosse baseada em Cristo e Deus, coisa que o povo acreditava. Mas sonegar os santos a esse povo era missão quase impossível. Ainda mais, estando aquela gente agrilhoada pelos padres e sua organização supranacional.
Eram estes pensamentos que atormentavam Joaquim durante a longa insónia.
Acabou por adormecer, já passava das quatro horas. Mesmo assim a cabeça não descansava. Eram só pesadelos: era Deus, o Diabo, monstros, bruxas, selvagens e feras. Tudo a correr atrás do Filipe e da Manuela que fugiam em pânico olhando para o casal mais velho e a pedir ajuda.
Eva acordou, eram oito horas e ficou admirada por o marido ainda dormir, ele que era sempre o primeiro a dar o toque de alvorada. Reparou que não era um sonho tranquilo. Ele falava alto de vez em vez, palavras que ela não entendia. Parecia linguagem estrangeira…
- Joaquim acorda, querido então, acorda!
Dizia isto abanando o homem que beijava ao mesmo tempo. Por fim lá conseguiu os seus intentos e Joaquim voltou a este mundo. Ao ser interrogado, ele afirmou não se lembrar de nada relativo aos pesadelos.
O casal acalmou, após um reconfortante banho, vestidos com roupa prática desceram para o café da manhã.
Na acolhedora sala do pequeno-almoço, eram os únicos hóspedes. Passava pouca das nove. Já reconfortados, fizeram meia hora de descontracção. Eva lia poemas de Pessoa e o Joaquim punha em dia o seu diário de viagem. Contudo os pensamentos do casal flutuavam através do problema colocado por Filipe e Manuela.
Eva pensava e talvez bem, com uma lógica muito própria da sua mente racional. - “O melhor é desistirem, voltar para casa e mandar às ortigas a treta da fé”.
- “Que pensará o Joaquim”? – Outra questão que ela colocava a si própria.
Às dez horas os jovens ainda não tinham descido. Entretanto pediram que lhes levassem o pequeno-almoço ao quarto.
Era segunda-feira, a vila voltava ao ritual do dia-a-dia, mas o movimento era sempre quase nada. Devagar devagarinho…era o lema da região. O terceiro domingo de cada mês era o dia mais movimentado na terra. O outro período do ano, de grande movimento, era as festas de Agosto, altura que a vila é invadida pelos emigrantes, vindos quase todos de França.
Após a meia hora de descontracção, mais fictícia que real, Joaquim e Eva decidiram dar um passeio pela margem do rio que levava caudal de respeito, devido ao degelo da serra.
Deixaram recado na pensão para ser entregue aos amigos. Informando que chegariam por volta do meio-dia e meia hora.
Durante a caminhada o casal foi trocando pontos de vista, sobre o problema que afligia os jovens e a eles também.
- Joaquim, não achas que os nossos amigos deviam simplesmente desistir e voltar para casa? Procurar trabalho a condizer com a sua formação, ou simplesmente emigrar para país com oportunidades. Esta é a minha opinião.
- Tens razão querida, mas acho que uma boa luta não lhes fará mal. Mesmo que não cheguem à vitória é uma experiencia de vida. Penso que vão perder porque não têm condições para vencer. Mas serem motivados a uma tentativa poderá ser benéfico para o seu futuro.
- Mas tens forma de os esclarecer e ajudar?
- Tenho sim, mas a exigência é grande e não sei se justifica. Podemos fazer um exercício em tese.
- Conta-me!
Até ao meio dia, Joaquim não mais parou de falar. Eva fascinada ouvia atenta. Sempre que achava útil dava a sua opinião, aqui e ali.
- É isto, minha querida Eva. Uma pequena parte do que é possível fazer.
- Muito interessante! Vamos ter com eles, já devem andar à nossa procura.
Na verdade, Filipe e Manuela, já aguardavam a chegada dos amigos no jardim adjacente à pensão onde todos pernoitaram.
Depois dos cumprimentos usuais entre pessoas muito amigas embora duas gerações afastadas, os dois casais partiram para o local de almoço, um restaurante rural a poucos quilómetros da vila. Deslocaram-se no carro dos mais velhos, um carocha com trinta anos, mas em estado impecável, tanto de motor como de chaparia.
A curta viagem durou cerca de quinze minutos, não devido à distância, mas sim porque o local do almoço ficava no cimo de uma colina daquela altaneira serra. Durante o percurso, o Filipe inquiriu:
- Então Joaquim. Tem algo pensado para nos ajudar na nossa tarefa.
- Tenho sim, mas não sei se vai ser muito útil para a vossa função, mas para a vossa formação penso que sim. Durante e após o almoço vamos trocando opiniões. Tenham calma!
O local do almoço tinha uma vista soberba sobre a vila, todo vale e rio incluindo. Era um local de beleza indescritível. Os jovens estavam impressionados com tal espectáculo. Eva comentou.
- Sempre que andamos na região, vimos almoçar aqui. Como se comprova não é preciso ir para o fim do mundo para ver belas paisagens. Ao jantar, gostamos mais da tasca do Damião e da sua lareira.
O restaurante era muito simples e a comida não era pretensiosa. Era explorado há muito ano por um casal e seus filhos, gente espoliada vinda de África.
Em dado momento Agostinho tomou o rumo da conversa e nunca mais se desviou do mesmo até dar por concluindo a sua intervenção. De tempos a tempos, um dos jovens fazia uma interrogação. Agostinho esclarecia e continuava.
Vamos transcrever algumas partes da intervenção do Agostinho da Rosa Pedro.
- Manuela e Filipe, vocês têm pela frente uma tarefa difícil mas não impossível de realizar. Quem vende tem de ter benefícios para oferecer, quem compra quer receber algo que justifique o pagamento. Que tem para oferecer o produto da vossa Igreja? Que oferece os vossos concorrentes? Quais são as vossas mais-valias? Quais são os pontos fracos das outros? Como pensam actuar nas aldeias, vilas ou cidades deste interior conservador? Pensem bem antes de responder, depois farei algumas sugestões.
O casal ficou bloqueado não sabendo o que dizer. Estavam em pânico e cada vez mais precisavam da ajuda do casal mais velho. Na verdade a formação deles tinha-se baseado mais no conhecimento superficial da bíblia. Nunca tinham encarado a tarefa como uma luta de mercado. Mas uma coisa é certa, entenderam o que Agostinho explanou.
- Ensinaram-nos a levar a palavra de Jesus ao coração das pessoas, mas retirando as inverdades que a igreja católica injecta. Ou seja uma igreja mais em Cristo e menos nas mentiras dos papas e dos falsos santos.
- Sim Manuela, eu entendo. Mas a vossa questão é terem de angariar receitas. Vocês estão a comercializar a fé, senão nem tinham embarcado no projecto. Ou seja: vocês não estão a fazer sacerdócio por voluntariado ou vocação. É um comércio!
- Entendi Joaquim! Mas agora que podemos fazer?
- Filipe, com a ajuda da minha querida Eva, vou dar umas sugestões que a vida nos foi ensinando. Tomem atenção!
Fim da primeira parte
Mais uma vez deixo aos meus leitores a possibilidade de continuarem esta estória incompleta.
14/10/2015
Francisco Pereira de Castro



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