quarta-feira, 1 de abril de 2015

Cooperantes - O 25 de Abril de 1974

04 - O 25 de Abril de 1974
Mais um dia de labuta, na laboriosa colónia portuguesa da costa ocidental de África, ia começar. Estava muito calor no micro clima de Luanda, mas em breve vinha aí o cacimbo.
Um jovem casal de brancos, saía do prédio onde residiam na rua do Quicombo em São Paulo há cerca de quatro anos. Com eles vinha uma menina de três anos, bonita como um raio de sol. A elegante mas não sofisticada mulher dirigiu-se para a Paiva Couceiro, lá passaria a carrinha que a levaria ao seu local de trabalho para as bandas da Cuca. O homem entrou no carocha bege após sentar a menina em segurança no banco de trás. O carro com cerca de dez anos adquirido a prestações por trinta contos, dirigiu-se para a baixa da cidade mais concretamente para a rua Serpa Pinto.
Ainda não eram oito horas mas o sol já queimava nas costas dos transeuntes. A estação das chuvas ainda não terminara, embora em Luanda a água raramente caísse com regularidade, devido ao clima próprio da área urbana da capital. Por vezes uma forte bátega, que assim como chegava passava. Pouco depois da enxurrada tudo ficava seco, sem nenhum vestígio da chuva. Era assim na cidade, na estação das chuvas, mas com pouco água. A vinte quilómetros já chovia todos os dias.
 A cidade de Luanda, era e continua a ser uma zona sem água no seu subsolo. Segundo diz quem sabe, a ilha de Luanda tinha água mas salobra, por isso deve continuar a ter embora salobra seja na mesma. A norte, não muito longe a água já abundava e abunda. Na época desta saga, o precioso liquida vinha da barragem das Mabubas que era abastecida principalmente pelo rio Dande ou Dange. A barragem destruída em parte, por duas vezes, durante a guerra civil, foi reconstruída e posto a funcionar há pouco tempo. No Século XVII durante o seu domínio os holandeses mandaram construir um canal para levar a água do Kwanza até Luanda numa distância de aproximadamente 200 quilómetros. Penso que o canal nunca foi concluído e muito menos funcionou, porque os cabrões levaram para contar e zarparam. Contudo, através da selva e da savana, ainda se encontra vestígios do tal canal. 
Mas deixem-me voltar à minha narrativa.
O carro do povo, conhecido também por carocha, parou junto a um colégio creche, instalado numa vivenda colonial com amplo jardim. Nessa instituição ficaria a menina todo o dia até o pai voltar para a levar para casa. A Ana ficava contrariada e uma lágrima aparecia ao canto dos seus lindos olhos azuis. O pai amargurado partia após muitas recomendações às empregadas da creche.
O jovem técnico, director daquela empresa, cumprimentou os funcionários, para depois entrar no seu gabinete. Pediu um café à empregada da limpeza, por sinal uma branca das Beiras. Depois embrenhou-se nos projectos suspensos, que estavam espalhados pela secretária e estirador, esperando a sua apreciação. O homem deixara de fumar há cerca de seis meses, agora vingava-se no café para compensar os três maços de MC que deixara de consumir por dia.
Luanda, jóia da coroa do Império português. Eram agora oito horas e vinte minutos do dia 25 de Abril de mil novecentos e setenta e quatro. A telefonista bateu na porta do gabinete de trabalho de Alberto de Castro.
- Senhor Castro, sua mulher na linha dois, atenda por favor.
- Olá querida que se passa? Está tudo bem?
- Alberto, acabei de saber que rebentou esta madrugada uma revolução em Lisboa, não se sabe é se é de direita ou esquerda.
- Não me digas…como soubeste? Aqui para a baixa ou no escritório ainda não transpirou nada. Não será boato?
- Não querido, soube através do Daniel Freire, que por sua vez soube da mulher Lina que como sabes trabalha para o governador. É mesmo verdade! Seja de esquerda ou de direita, tudo vai mudar… A menina ficou bem?
- Mais ou menos, como sempre de lágrima no olho, aquela menina não se adapta ao colégio.
- Com o tempo vai lá, não fiques preocupado. Então um beijo e tem juízo, à noite falamos. Não venhas tarde.
Castro poisou o telefone e ficou uns minutos apático. A emoção encheu a sua alma, mas logo inúmeras dúvidas se levantaram na sua mente: mente demasiado racional. Acabou de beber na calma o café que a empregada de limpeza lhe levara, de seguida levantou-se e entrou de rompante no gabinete do administrador.
- Barradas, vem aí borrasca! Há uma revolução em Portugal…
O administrador, empalideceu primeiro, depois ficou vermelho. Mal conseguia articular palavra, coisa normal nele quando se enervava ou excitava. A gaguejar ainda balbuciou.
- E agora Castro, é bom ou é mau?
- Para a metrópole ou para a colónia?
- Para Angola, estou-me borrifando para a gajada de lá.
Os dois responsáveis daquela empresa multinacional ficaram um tempo calados. Sem nada dizerem. Depois Castro encolheu os ombros e saiu em direcção à sua sala de trabalho porque tinha muito que fazer, o patrão ficou sentado a olhar para a parede branca do gabinete com o seu habitual ar apatetado.
Nesse dia, Alberto de Castro não foi almoçar a casa. Devido ao excesso de trabalho foi tomar uma refeição ligeira na Mutamba, tasca popular com bons petiscos. Casa que muitos amigos frequentavam, entre eles este escriba. Mas no fundo, o Alberto queria era saber mais novidades.
Por diversas fontes já todos sabíamos alguns pormenores da tal revolução. Lembro-me de uma pergunta que o José d’ Barcellos fez ao Alberto de Castro.
- E agora que achas que vai acontecer
- O que vai acontecer? Não sei, ninguém sabe. Mas sei que estamos todos fodidos, brancos, pretos e mulatos.
Cavaqueamos um pouco e depois fomos todos, cada um para o seu trabalho, cada um com o seu pensamento, cada um com sua preocupação. Era uma quinta-feira.
1/1/2014

Djapam

4 comentários:

  1. Então o capitulo 03? Foi esquecimento?

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  2. Não ilustre anónimo, não é esquecimento. Djapam não autoriza alguns dos textos. Lamento mas ele é que manda.

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  3. Não é justo para os seguidores a omissão de parte dos Cooperantes! Meta uma cunha ao seu amigo...por favor!

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  4. Ilustre anónimo, Djapam não vai ceder, ele é muito teimoso nas decisões tomadas. Contudo se der a conhecer a sua identidade, talvez o meu amigo lhe faça chegar os textos em falta, perante uma garantia, da não divulgação pela sua parte.

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