05
- Academia de Xadrez de Luanda
Na minha mais que
modesta opinião, considero que é importante dedicar um capítulo à Academia de
Xadrez de Luanda, independentemente de falarmos nela noutros textos de os “Cooperantes”.
Porque esta instituição foi um exemplo para se compreender o espírito
empreendedor dos homens que passaram pelo espaço angolano.
A Academia, nasceu
devido há necessidade de haver um espaço próprio para se jogar xadrez, mas
ainda mais. Para se poder promover, ensinar, estudar e praticar este jogo
sagrado que é arte, ciência, desporto, filosofia e até para alguns uma
religião.
Não sou grande
jogador, antes pelo contrário. O Alberto de Castro também não é muito
entendido. Mas tanto ele como eu, acompanhamos o trajecto da fundação dessa
instituição Desde o nascimento da ideia até à acoplação da Academia à Federação
Angolana de Xadrez. Contudo só falarei da Academia de Xadrez de Luanda
referente ao período a que estes textos abrangem e se referem, ou seja até aos
fins de 1977, tempo, em que os meus personagens regressaram a Portugal.
Alberto Pereira de
Castro, também girou pelo xadrez luandense, como eu, e como eu também era um
jogador medíocre, com paixão pela arte de Caissa.
A Academia de
Xadrez de Luanda, nasceu com esta designação por força dos argumentos do José
Brandão. Estava previsto uma outra nomenclatura: clube, grupo, núcleo, etc. A
ideia era ser um clube de xadrez de Luanda e nada mais que funcionar na
panorâmica dessa modalidade. Pelo menos era essa ideia do seu mentor inicial
João Palma, secundado e apoiado pelo senhor Franco oculista. Este cavalheiro
era assim conhecido porque fazia parte da famosa organização oftalmológica.
Pessoa de prestígio, muito distinta: colocava a excelência à frente de tudo.
Os xadrezistas de
Luanda praticavam o seu desporto por cafés e suas esplanadas, competindo
oficialmente por diversos clubes. Recordo por exemplo torneios realizados, na
Casa de Tras-os-Montes, Antigos Estudantes de Coimbra, Nuno Álvares, Clube dos
Caçadores, Clube da JAEA, etc. Os jogadores queixavam-se da falta de um espaço
próprio. Recordo os desabafos de Carlos Oliveira, grande revelação do xadrez de
Angola em 1971/2. Dizia ele.
- Se houvesse um
gajo rico que nos desse ou empresta-se um espaço: era muito bom.
Temos de
referenciar que Carlos Oliveira era muito pobre, de uma família com muitas
carências, não só de bens materiais mas também de carinho. Era um pobre de
Cristo. Ainda por demais, meio cego de uma vista e coxeando devido a defeito
numa das pernas. Mas era um talento para o xadrez, no tabuleiro era senhor
parecendo flutuar acima de todos nós. Foi campeão de Angola em 1974, o ultimo
da era colonialista. Embora angolano branco, amante do seu país não resistiu à
pressão, fugiu, embarcando dias antes do dia 11 de Novembro de 1975. Em Portugal
teve uma vida miserável, sendo explorado até ao tutano. Muito depois conseguiu
um lugar na Câmara de Lisboa através da cunha de um engenheiro, conhecido
jogador de xadrez, um velhote que teve pena do infeliz.
Recordo
perfeitamente o que lhe disse José Brandão, após ter ouvido por diversas vezes
o queixume do triste Carlos Oliveira.
- Carlos, se
queres bolota trepa, se queres ter alguma coisa tens de lutar por ela, não
estejas à espera da sorte grande, unam-se e façam alguma coisa. Ter sorte dá
muito trabalho!
Quem criou essa
união foi o João Palma, figura grande do xadrez de Luanda, o seu amigo pessoal
o senhor Franco, apoiou a sugestão. Palma falou com o Brandão que alinhou na
ideia. Este por sua vez recrutou Daniel Freire que funcionou com escriturário e
serviu de moço dos recados.
Mas na verdade, o
João Palma e o José Brandão, foram os elementos fundamentais para o projecto
avançar. Sem o Palma não teria havido Academia, e sem o Brandão a instituição
nunca teria a designação de Academia. Parece um paradoxo, não é? Mas não é
mesmo! Foi o Brandão que propôs uma filosofia especial para a colectividade a
criar. Dizia ele.
- Se vamos criar
algo, então vamos fazê-lo em grande. Proponho que se chame Academia de Xadrez
de Luanda, assim atingem-se vários objectivos.
Por sua vez Palma
contrapunha…
- Mas Brandão, não
será um nome demasiado pomposo? Depois vão dizer que somos uns pretensiosos.
- Não concordo
contigo Palma. Uma Academia é um local onde se concentram os melhores em
determinada área do saber. O local onde se aprende e ensina. Onde irão jogar e
aparecer no futuro os melhores jogadores de Luanda? Será numa Academia se ela
existir. Principalmente se ela não tiver equipa própria na competição e seja
uma “Casa do saber”.
Claro que o meu
amigo esgrimiu mais uns tantos argumentos impossíveis de serem rebatidos.
Com isto José
Brandão levou a água ao seu moinho, convencendo toda a gente envolvida. Mais
tarde foi este elemento a criar o emblema da Academia e a fornecer todo o
mobiliário para a sede. Palma redigiu os estatutos, diga-se de passagem que
estes são dos mais evoluídos que se possa imaginar. Os detractores e os amigos
da onça, que os leiam para descobrirem como certos portugueses tratavam as
relações com a terra onde viviam.
Alugaram uma loja
no Bairro de Alvalade para sede. Palma, Franco e Brandão ficaram fiadores.
Seguiu-se uma campanha para angariar sócios o que foi um sucesso. A Academia de
Xadrez de Luanda começou a funcionar no cacimbo de 1973, sendo uma instituição
modelar, muito de vanguarda.
O primeiro grande
torneio foi o campeonato de Luanda de 1973, disputado pela elite do xadrez
angolano, oito jogadores de primeira categoria e oito candidatos à conquista da
categoria. Seguiu-se em Outubro o campeonato de Angola, que o dinossauro
Fernando Vasconcelos venceu.
Em 1974 já depois
do 25 de Abril voltou-se a disputar o campeonato de Angola. Em 17 de Janeiro de
1975, Carlos Oliveira deu uma simultânea. Pouco depois a Academia mudou a sua
sede para a rua Brito Godins, aqui jogou-se o Angola Livre e um campeonato de
equipas entre angolanos, cubanos, soviéticos e cooperantes (leia-se
portugueses).
Não houve coragem
de assumir que era uma equipa portuguesa, complexo de colonização.
Com o tempo os
portugueses e muitos angolanos foram fugindo para Portugal, mas a Academia
conseguiu sempre ter gente. Agora mais naturais de Angola. Mantive-me como
frequentador, assim como o Alberto Pereira de Castro, mas foi sem dúvida o José
Brandão a grande alma dessa fase crítica.
Tenho de dizer que
o património da Academia, em mobiliário, tabuleiros de qualidade, peças de
madeira Staunton 6, relógios modernos, biblioteca com livros e revistas,
incluindo a sua própria publicação, era um património de grande valor.
Um dia, após a
independência, a Academia recebeu uma carta assinada pelo poeta António Jacinto
ministro da educação e cultura, que dizia. Meus senhores o governo está muito
satisfeito com o vosso trabalho, estamos disponíveis para ajudar em tudo o que
precisarem.
Nesse tempo também
visitaram a Academia vários heróis da luta de libertação, entre eles o Mendes
de Carvalho. Contou-nos a sua estória no Tarrafal e a forma como jogavam xadrez
para passar o tempo. As peças eram feitas de pão e o tabuleiro desenhado no
chão.
Como disse noutro
local, o rico património da Academia foi integrado na Federação Angolano de
Xadrez.
A Academia de
Xadrez de Luanda, foi um exemplo vivo daquilo que os homens podem fazer quando
conseguem transformar o sonho em realidade. Djapam, 13/1/2014
Sem comentários:
Enviar um comentário