sexta-feira, 3 de abril de 2015

Cooperantes - Academia de Xadrez de Luanda

05 - Academia de Xadrez de Luanda
Na minha mais que modesta opinião, considero que é importante dedicar um capítulo à Academia de Xadrez de Luanda, independentemente de falarmos nela noutros textos de os “Cooperantes”. Porque esta instituição foi um exemplo para se compreender o espírito empreendedor dos homens que passaram pelo espaço angolano.
A Academia, nasceu devido há necessidade de haver um espaço próprio para se jogar xadrez, mas ainda mais. Para se poder promover, ensinar, estudar e praticar este jogo sagrado que é arte, ciência, desporto, filosofia e até para alguns uma religião.
Não sou grande jogador, antes pelo contrário. O Alberto de Castro também não é muito entendido. Mas tanto ele como eu, acompanhamos o trajecto da fundação dessa instituição Desde o nascimento da ideia até à acoplação da Academia à Federação Angolana de Xadrez. Contudo só falarei da Academia de Xadrez de Luanda referente ao período a que estes textos abrangem e se referem, ou seja até aos fins de 1977, tempo, em que os meus personagens regressaram a Portugal.
Alberto Pereira de Castro, também girou pelo xadrez luandense, como eu, e como eu também era um jogador medíocre, com paixão pela arte de Caissa.
A Academia de Xadrez de Luanda, nasceu com esta designação por força dos argumentos do José Brandão. Estava previsto uma outra nomenclatura: clube, grupo, núcleo, etc. A ideia era ser um clube de xadrez de Luanda e nada mais que funcionar na panorâmica dessa modalidade. Pelo menos era essa ideia do seu mentor inicial João Palma, secundado e apoiado pelo senhor Franco oculista. Este cavalheiro era assim conhecido porque fazia parte da famosa organização oftalmológica. Pessoa de prestígio, muito distinta: colocava a excelência à frente de tudo.
Os xadrezistas de Luanda praticavam o seu desporto por cafés e suas esplanadas, competindo oficialmente por diversos clubes. Recordo por exemplo torneios realizados, na Casa de Tras-os-Montes, Antigos Estudantes de Coimbra, Nuno Álvares, Clube dos Caçadores, Clube da JAEA, etc. Os jogadores queixavam-se da falta de um espaço próprio. Recordo os desabafos de Carlos Oliveira, grande revelação do xadrez de Angola em 1971/2. Dizia ele.
- Se houvesse um gajo rico que nos desse ou empresta-se um espaço: era muito bom.
Temos de referenciar que Carlos Oliveira era muito pobre, de uma família com muitas carências, não só de bens materiais mas também de carinho. Era um pobre de Cristo. Ainda por demais, meio cego de uma vista e coxeando devido a defeito numa das pernas. Mas era um talento para o xadrez, no tabuleiro era senhor parecendo flutuar acima de todos nós. Foi campeão de Angola em 1974, o ultimo da era colonialista. Embora angolano branco, amante do seu país não resistiu à pressão, fugiu, embarcando dias antes do dia 11 de Novembro de 1975. Em Portugal teve uma vida miserável, sendo explorado até ao tutano. Muito depois conseguiu um lugar na Câmara de Lisboa através da cunha de um engenheiro, conhecido jogador de xadrez, um velhote que teve pena do infeliz.
Recordo perfeitamente o que lhe disse José Brandão, após ter ouvido por diversas vezes o queixume do triste Carlos Oliveira.
- Carlos, se queres bolota trepa, se queres ter alguma coisa tens de lutar por ela, não estejas à espera da sorte grande, unam-se e façam alguma coisa. Ter sorte dá muito trabalho!
Quem criou essa união foi o João Palma, figura grande do xadrez de Luanda, o seu amigo pessoal o senhor Franco, apoiou a sugestão. Palma falou com o Brandão que alinhou na ideia. Este por sua vez recrutou Daniel Freire que funcionou com escriturário e serviu de moço dos recados.
Mas na verdade, o João Palma e o José Brandão, foram os elementos fundamentais para o projecto avançar. Sem o Palma não teria havido Academia, e sem o Brandão a instituição nunca teria a designação de Academia. Parece um paradoxo, não é? Mas não é mesmo! Foi o Brandão que propôs uma filosofia especial para a colectividade a criar. Dizia ele.
- Se vamos criar algo, então vamos fazê-lo em grande. Proponho que se chame Academia de Xadrez de Luanda, assim atingem-se vários objectivos.
Por sua vez Palma contrapunha…
- Mas Brandão, não será um nome demasiado pomposo? Depois vão dizer que somos uns pretensiosos.
- Não concordo contigo Palma. Uma Academia é um local onde se concentram os melhores em determinada área do saber. O local onde se aprende e ensina. Onde irão jogar e aparecer no futuro os melhores jogadores de Luanda? Será numa Academia se ela existir. Principalmente se ela não tiver equipa própria na competição e seja uma “Casa do saber”.
Claro que o meu amigo esgrimiu mais uns tantos argumentos impossíveis de serem rebatidos.
Com isto José Brandão levou a água ao seu moinho, convencendo toda a gente envolvida. Mais tarde foi este elemento a criar o emblema da Academia e a fornecer todo o mobiliário para a sede. Palma redigiu os estatutos, diga-se de passagem que estes são dos mais evoluídos que se possa imaginar. Os detractores e os amigos da onça, que os leiam para descobrirem como certos portugueses tratavam as relações com a terra onde viviam.
Alugaram uma loja no Bairro de Alvalade para sede. Palma, Franco e Brandão ficaram fiadores. Seguiu-se uma campanha para angariar sócios o que foi um sucesso. A Academia de Xadrez de Luanda começou a funcionar no cacimbo de 1973, sendo uma instituição modelar, muito de vanguarda.
O primeiro grande torneio foi o campeonato de Luanda de 1973, disputado pela elite do xadrez angolano, oito jogadores de primeira categoria e oito candidatos à conquista da categoria. Seguiu-se em Outubro o campeonato de Angola, que o dinossauro Fernando Vasconcelos venceu.
Em 1974 já depois do 25 de Abril voltou-se a disputar o campeonato de Angola. Em 17 de Janeiro de 1975, Carlos Oliveira deu uma simultânea. Pouco depois a Academia mudou a sua sede para a rua Brito Godins, aqui jogou-se o Angola Livre e um campeonato de equipas entre angolanos, cubanos, soviéticos e cooperantes (leia-se portugueses).
Não houve coragem de assumir que era uma equipa portuguesa, complexo de colonização.
Com o tempo os portugueses e muitos angolanos foram fugindo para Portugal, mas a Academia conseguiu sempre ter gente. Agora mais naturais de Angola. Mantive-me como frequentador, assim como o Alberto Pereira de Castro, mas foi sem dúvida o José Brandão a grande alma dessa fase crítica.
Tenho de dizer que o património da Academia, em mobiliário, tabuleiros de qualidade, peças de madeira Staunton 6, relógios modernos, biblioteca com livros e revistas, incluindo a sua própria publicação, era um património de grande valor.
Um dia, após a independência, a Academia recebeu uma carta assinada pelo poeta António Jacinto ministro da educação e cultura, que dizia. Meus senhores o governo está muito satisfeito com o vosso trabalho, estamos disponíveis para ajudar em tudo o que precisarem.
Nesse tempo também visitaram a Academia vários heróis da luta de libertação, entre eles o Mendes de Carvalho. Contou-nos a sua estória no Tarrafal e a forma como jogavam xadrez para passar o tempo. As peças eram feitas de pão e o tabuleiro desenhado no chão.
Como disse noutro local, o rico património da Academia foi integrado na Federação Angolano de Xadrez.
A Academia de Xadrez de Luanda, foi um exemplo vivo daquilo que os homens podem fazer quando conseguem transformar o sonho em realidade. Djapam, 13/1/2014


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