sábado, 28 de março de 2015

Cooperantes - Coincidência

Do livro "Cooperantes" do Djapam, retirei este texto curioso. É uma estória verídica...



26 – Coincidência
Vou contar esta estória por diversas razões, embora o tema de fundo seja as coincidências que acontecem na vida das pessoas.
Quero falar do João Sardinha que viveu na zona da Corimba: no antes, no durante e no depois. Refiro-me obviamente ao tempo do colono, ao tempo da transição e ao tempo do após independência de Angola.
O nosso Sardinha era um gajo simpático, sempre pronto a desenrascar o enrascado condutor de carro velho, que eram muitos: inclusive, eu, e os meus amigos, Castro, Brandão e Barcellos. Na realidade ele era um doutor em mecânica de automóveis, saber aprendido por vocação, mas também por muito puxão de orelha quando aprendiz.
O João Sardinha com pouco mais de trinta anos, era proprietário de uma oficina de mecânica, pequena, simples e mal apetrechada. Com ele trabalhavam seis naturais de Angola, quatro pretos e dois mulatos.
Eram uma família feliz que adorava Luanda. Uma vida simples e de muito trabalho. Não eram ricos embora tivessem uma vida desafogada. Praia, desporto, petiscos e muitos amigos.
Fique já assente! Pela cabeça do João Sardinha, nunca passou a ideia de abandonar Angola.
O nosso conhecimento com este homem, devia-se a ele nos ter desenrascado, em alguns problemas, que tivemos com as nossas usadas viaturas. Algumas já em terceira e quarta mão.
Vamos então à tal coincidência, que aconteceu entre a família Sardinha e a família Castro.
Como alguns sabem, mas muitos nem tanto, em Angola não havia assistência social oficial: não havia para os trabalhadores muito menos para o povo. Mais uma descriminação em relação ao Portugal da Europa.
Havia os hospitais para o povo em geral e as clínicas privadas para os mais abastados. Quanto aos partos, havia a maternidade, as clínicas ou as parteiras particulares, entre elas as curiosas. Sim as parteiras tradicionais, porque as mulheres do povo mais humilde pariam normalmente em casa. Estou a falar do tempo dos colonos. Depois foi tudo mais difícil!
A minha amiga Inês de Castro, foi parir a primeira filha a Ana, numa parteira particular que tinha a sala de parto junto à Sagrada Família, isto em Janeiro de 1971. Dias depois a mulher do Sardinha deu à luz a sua primeira filha na mesma parteira.
Como sabemos os dois casais continuaram em Luanda após onze de Novembro de 1975. Porem, o contacto com a família Sardinha era muito raro, e acontecia só por motivos de avaria nas viaturas. De modo geral, vivíamos todos nos nossos guetos, preocupados com a saúde, segurança, alimentação e outras coisas mais.
Em fins de 1975, a Inês voltou a ficar grávida, nascendo a Isa em Junho de 1976. Então não é que a mulher do Sardinha pariu a segunda filha também nesse Junho…
Ambas as meninas, concebidas na Angola portuguesa e nascidas na Angola independente, vieram à luz em suas casas, assistidas pela mesma parteira branca, que por sorte ainda estava na cidade para proteger os seus bens, situados no bairro de Alvalade. Ambos os casais correram as mesmas insuficiências, os mesmos riscos…
Estas eram as coincidências de que falava, mas quero falar mais do Sardinha, porque há outra matéria que considero de interesse.
Igual a muitos outros casos, a vida tornou-se um inferno para o casal Sardinha. Contra sua vontade foi obrigado a abandonar Luanda e regressar a Portugal. Curiosamente como o Castro nos fins de 1977.
Antes de partir, o Sardinha fez o que muitos outros fizeram, preparou o pessoal e ofereceu-lhes a oficina numa sociedade colectiva. Pessoalmente conheço muitos casos iguais. Como igual conheço o fim dessas sociedades, ou seja.
Os trabalhadores deixaram ir tudo por água abaixo: má gestão, falta de saber, indisciplina, pouca vontade de trabalhar, falta de tudo, excepto ousadia de ignorância, tão própria por parte dos portugueses e dos angolanos.
Muitos anos depois, recebi uma carta do Alberto de Castro, que vou transcrever.

Meu caro Djapam,
Sei que estás bem, com saúde e realizado, assim como a querida Amip e a vossa filharada.
Hoje escrevo para te dar uma boa notícia.
Por motivos profissionais, encontrei o João Sardinha. Sim aquele branco simpático que nos desenrascava os nossos carros. Aquele cujo as duas filhas nasceram quando as minhas num jogo de coincidências.
O Sardinha ao regressar a Portugal, triste e amargurado, mas com forças para lutar, abriu a cem quilómetros de Lisboa uma pequena oficina igual à que tinha em Luanda.
Tudo bem! Mas ao contrário do que aconteceu aí, esta cresceu, cresceu, cresceu. Foi uma evolução de tal ordem que hoje emprega cerca de duzentos profissionais e evoluiu para diversas áreas, todas ligadas à mecânica.
Em resumo, o Sardinha é um gajo importante e muito rico. Mas continua o mesmo homem, que tu e eu conhecemos em Luanda.
Tudo isto parece uma anedota mas não o é… Em Luanda terra de colono, trabalhou de sol a sol e pouco teve nas questões materiais. Aqui enriqueceu!
Como vês querido Djapam, os explorados éramos nós…
O João, disse-me que tem ido a Luanda e quer investir em Angola, para ajudar a reconstruir o país que tanto ama. Mas não quer trazer qualquer lucro.
Foi esta a novidade que te queria dar.
Até sempre meu amigo.
Alberto de Castro

Fiquei feliz com esta carta do meu amigo Alberto de Castro e fiquei interessado em saber mais coisas do Sardinha.
Muito mais tarde, descobri que o nosso antigo mecânico, abriu várias oficinas em Angola e passava cá a maior parte do tempo.
Em Portugal, a sua empresa era um sucesso, mas era aqui em Luanda que se sentia bem e era feliz.
Ao contrário de outras estórias esta teve um final feliz.

Djapam

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