Do livro "Cooperantes" do Djapam, retirei este texto curioso. É uma estória verídica...
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– Coincidência
Vou contar esta
estória por diversas razões, embora o tema de fundo seja as coincidências que
acontecem na vida das pessoas.
Quero falar do
João Sardinha que viveu na zona da Corimba: no antes, no durante e no depois.
Refiro-me obviamente ao tempo do colono, ao tempo da transição e ao tempo do
após independência de Angola.
O nosso Sardinha
era um gajo simpático, sempre pronto a desenrascar o enrascado condutor de
carro velho, que eram muitos: inclusive, eu, e os meus amigos, Castro, Brandão
e Barcellos. Na realidade ele era um doutor em mecânica de automóveis, saber
aprendido por vocação, mas também por muito puxão de orelha quando aprendiz.
O João Sardinha
com pouco mais de trinta anos, era proprietário de uma oficina de mecânica,
pequena, simples e mal apetrechada. Com ele trabalhavam seis naturais de
Angola, quatro pretos e dois mulatos.
Eram uma família
feliz que adorava Luanda. Uma vida simples e de muito trabalho. Não eram ricos embora
tivessem uma vida desafogada. Praia, desporto, petiscos e muitos amigos.
Fique já assente!
Pela cabeça do João Sardinha, nunca passou a ideia de abandonar Angola.
O nosso
conhecimento com este homem, devia-se a ele nos ter desenrascado, em alguns
problemas, que tivemos com as nossas usadas viaturas. Algumas já em terceira e
quarta mão.
Vamos então à tal
coincidência, que aconteceu entre a família Sardinha e a família Castro.
Como alguns sabem,
mas muitos nem tanto, em Angola não havia assistência social oficial: não havia
para os trabalhadores muito menos para o povo. Mais uma descriminação em
relação ao Portugal da Europa.
Havia os hospitais
para o povo em geral e as clínicas privadas para os mais abastados. Quanto aos
partos, havia a maternidade, as clínicas ou as parteiras particulares, entre
elas as curiosas. Sim as parteiras tradicionais, porque as mulheres do povo
mais humilde pariam normalmente em casa. Estou a falar do tempo dos colonos.
Depois foi tudo mais difícil!
A minha amiga Inês
de Castro, foi parir a primeira filha a Ana, numa parteira particular que tinha
a sala de parto junto à Sagrada Família, isto em Janeiro de 1971. Dias depois a
mulher do Sardinha deu à luz a sua primeira filha na mesma parteira.
Como sabemos os
dois casais continuaram em Luanda após onze de Novembro de 1975. Porem, o
contacto com a família Sardinha era muito raro, e acontecia só por motivos de
avaria nas viaturas. De modo geral, vivíamos todos nos nossos guetos,
preocupados com a saúde, segurança, alimentação e outras coisas mais.
Em fins de 1975, a
Inês voltou a ficar grávida, nascendo a Isa em Junho de 1976. Então não é que a
mulher do Sardinha pariu a segunda filha também nesse Junho…
Ambas as meninas,
concebidas na Angola portuguesa e nascidas na Angola independente, vieram à luz
em suas casas, assistidas pela mesma parteira branca, que por sorte ainda
estava na cidade para proteger os seus bens, situados no bairro de Alvalade.
Ambos os casais correram as mesmas insuficiências, os mesmos riscos…
Estas eram as
coincidências de que falava, mas quero falar mais do Sardinha, porque há outra
matéria que considero de interesse.
Igual a muitos
outros casos, a vida tornou-se um inferno para o casal Sardinha. Contra sua
vontade foi obrigado a abandonar Luanda e regressar a Portugal. Curiosamente
como o Castro nos fins de 1977.
Antes de partir, o
Sardinha fez o que muitos outros fizeram, preparou o pessoal e ofereceu-lhes a
oficina numa sociedade colectiva. Pessoalmente conheço muitos casos iguais.
Como igual conheço o fim dessas sociedades, ou seja.
Os trabalhadores
deixaram ir tudo por água abaixo: má gestão, falta de saber, indisciplina,
pouca vontade de trabalhar, falta de tudo, excepto ousadia de ignorância, tão
própria por parte dos portugueses e dos angolanos.
Muitos anos
depois, recebi uma carta do Alberto de Castro, que vou transcrever.
Meu caro Djapam,
Sei
que estás bem, com saúde e realizado, assim como a querida Amip e a vossa
filharada.
Hoje
escrevo para te dar uma boa notícia.
Por
motivos profissionais, encontrei o João Sardinha. Sim aquele branco simpático
que nos desenrascava os nossos carros. Aquele cujo as duas filhas nasceram
quando as minhas num jogo de coincidências.
O
Sardinha ao regressar a Portugal, triste e amargurado, mas com forças para
lutar, abriu a cem quilómetros de Lisboa uma pequena oficina igual à que tinha
em Luanda.
Tudo
bem! Mas ao contrário do que aconteceu aí, esta cresceu, cresceu, cresceu. Foi
uma evolução de tal ordem que hoje emprega cerca de duzentos profissionais e
evoluiu para diversas áreas, todas ligadas à mecânica.
Em
resumo, o Sardinha é um gajo importante e muito rico. Mas continua o mesmo
homem, que tu e eu conhecemos em Luanda.
Tudo
isto parece uma anedota mas não o é… Em Luanda terra de colono, trabalhou de
sol a sol e pouco teve nas questões materiais. Aqui enriqueceu!
Como
vês querido Djapam, os explorados éramos nós…
O
João, disse-me que tem ido a Luanda e quer investir em Angola, para ajudar a
reconstruir o país que tanto ama. Mas não quer trazer qualquer lucro.
Foi
esta a novidade que te queria dar.
Até
sempre meu amigo.
Alberto
de Castro
Fiquei feliz com esta carta do meu amigo Alberto de Castro e fiquei interessado em saber mais coisas do Sardinha.
Muito mais tarde,
descobri que o nosso antigo mecânico, abriu várias oficinas em Angola e passava
cá a maior parte do tempo.
Em Portugal, a sua
empresa era um sucesso, mas era aqui em Luanda que se sentia bem e era feliz.
Ao contrário de
outras estórias esta teve um final feliz.
Djapam
Um texto muito humano, como é timbre do seu autor.
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