Há muitos anos atrás,
ainda as aldeias não tinham electricidade e a água era das fontes, um rapaz da
Ermegeira foi ao habitual baile de sábado que se fazia no Maxial. Era um evento
rotineiro frequentado pelos rapazes e raparigas vindas de duas léguas em redor
da pequena freguesia. No excelente salão de um palacete com função social,
juntava-se imensa gente, mas de um modo geral quase todos se conheciam, em
especial os mais assíduos.
Aquele baile no sábado, dia seis do mês de Março de mil novecentos e quarenta e três,
ficou para sempre gravado a letras de fogo na memória do rapaz da Ermegeira.
Ela apareceu ninguém
sabe de onde, embrulhada numa longa capa escarlate que deixou no bengaleiro. Os
longos cabelos negros desciam-lhe pelas costas até aos quadris, que se
adivinhavam através do vestido branco enfeitado por fitas azul-marinho. A fazer
contraste com o cabelo, um rosto belo mas que não sorria, muito alvo quase
transparente, uma boca carnuda, um nariz arrebitado e uns olhos negros enormes.
Sem dúvida uma visão quase divina, se sorrisse, o quadro seria perfeito.
A rapaziada do baile
ficou toda com os corninhos no ar, sentindo-se inferiorizados não tiveram
coragem de avançar com pedido para dançar com enigmática rapariga, o famoso sinal
à distância. Foi então que o rapaz da Ermegeira decidiu tentar a sorte, com uma
táctica diferente, avançou devagar olhando a rapariga nos olhos, perguntou à
estranha se precisava de alguma coisa. Ela disse que não, então ele convidou-a
para uma dança, a rapariga sem dar um sorriso disse que sim. A beldade avançou para ele e ao som de uma valsa rodopiaram pelo salão. Foram horas de dança, ninguém
sabe do que falaram, se é que houve diálogo, especialmente da parte da
rapariga.
A manhã vinha aí, em
breve. A jovem pediu a capa no bengaleiro, solicitou depois ao seu par um copo
de água. Quando o jovem regressou com a bebida ela já tinha partido, sem hesitar
foi a trás dela.
A rapariga parecia
voar, dirigindo-se na direcção do Vilar, no fim da povoação virou à direita
encaminhando-se na sentido do Montejunto e do cemitério. O portão fechado
parecia ser obstáculo, mas não foi, atravessou-o como uma cortina de fumo. O
rapaz viu isso ao longe, o portão estava fechado à chave e tinha pontas de seta
no topo, então,sem hesitar ele saltou o muro e entrou também no cemitério. Olhou para todos
os lados e não a viu mais, procurou entre os mausoléus mas nada. A madrugada
chegara, os primeiros alvores apareceram do lado da montanha. Foi então que o
rapaz viu algo que o aterrorizou, sobre uma campa estava a capa escarlate que a
mulher usara, fugiu em direcção à sua aldeia e só parou quando entrou em casa.
A campa tinha um
pequeno monumento erigido em honra de Maria das Dores falecida a 6 de Março de
mil oitocentos e oitenta, um sábado. O jovem da Ermegeira estivera a dançar
toda a noite com o fantasma da sua bisavó.
José Bray, 13/5/2013
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