domingo, 17 de outubro de 2010

A Montanha Mágica - A Invenção do Xadrez

“Amigos. Hoje vou contar uma história mágica que se passou num país imaginário”

A Invenção do Xadrez

Após conquistar o título de campeão de xadrez do meu país, senti necessidade de descansar um pouco, por isso decidi acampar uns dias na enorme montanha que ficava a trinta minutos da minha residência, na companhia do Yarb, meu fiel amigo, o único cão do mundo que sabe jogar xadrez.

Uma manhã andava a passear nas alturas através de bosques e veredas levando um tabuleiro de xadrez e uma caixa de peças, por debaixo do braço. A meu lado Yarb, saltitava de contentamento mais parecendo uma cabra montês do que um cão intelectual. De repente aconteceu algo de maravilhoso próprio de um conto de fadas.

Tínhamos parado junto a uma nascente de água cristalina que caindo em cascata refrescava todo o ambiente. Estava calor, o cansaço e a sede tinham-se apoderado de nós, bebemos daquele néctar dos deuses. Ao levantar o rosto deparei com um velhinho de longa barba branca que sorria para nós com uma expressão de profunda simpatia.

Trocámos saudações convencionais, depois iniciou-se uma amena cavaqueira, ficando o forasteiro muito admirado com o meu xadrez, as peças de plástico eram desconhecidas para ele.

Após algum tempo virou-se para o Yarb e disse-lhe. ---- Olá simpático amigo, és muito parecido com a tua avoenga Morgana, só espero que jogues tão bem xadrez como ela jogava. ---- Fiquei totalmente perplexo, antes que eu dissesse alguma coisa convidou-me para jogar uma partida.

Embora confuso, fiquei satisfeito, preparei-me para dar uma lição ao velhote. Não jogámos uma mas sim meia dúzia de partidas, levei uma tremenda sova, não vencendo um único jogo. Cada vez mais admirado perguntei ao ancião as razões de tanto saber.

Explicou-me ser descendente do sábio que inventou o xadrez. Fiquei ainda mais curioso. Ele com simplicidade e simpatia contou porque razão o seu antepassado criou este jogo maravilhoso.

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Há muito tempo atrás, já lá vão mais de dois mil anos, ainda Jesus Cristo não tinha nascido. Duas cidades vizinhas, Branca e Preta, povoações existentes no sopé da Montanha Mágica, encontravam-se em guerra.

O exército de Branca cercava as muralhas de Preta há várias semanas, não deixando os seus habitantes em paz.

As crianças da cidade sitiada não podiam brincar nas calçadas e jardins. Por motivos de segurança, eram forçadas a estarem fechadas no salão maior do castelo e não podiam fazer barulho.

As semanas passavam e a situação não melhorava. As crianças começaram a ficar melancólicas e acabaram por adoecer com um estranho mal.

Ao ter conhecimento da situação o rei Preto mandou o seu médico dar assistência às crianças e tentar encontrar cura para a estranha doença. O príncipe Pretinho filho do soberano encontrava-se entre os meninos doentes.

O médico depois de observar cuidadosamente os garotos, informou o rei. ---- Saiba sua majestade que não tenho hipóteses de curar esta doença, as crianças sofrem de tristeza e para isso eu não tenho a cura­.

O rei reuniu de urgência os seus conselheiros que trocaram opiniões, depois sugeriram ao soberano que pedisse ajuda ao sábio da Montanha Mágica. Para essa missão foi nomeado o melhor cavaleiro do reino o Capitão Valente.

O corajoso Valente saiu da cidade pela calada da noite através do túnel secreto, passou disfarçado o inimigo e dirigiu-se em veloz galope para o topo da altíssima Montanha Mágica, para pedir ajuda ao velhinho das barbas brancas.

O sábio que também era mágico, ouviu com atenção o enviado do rei Preto e prometeu ajudar, mas só lá estaria daí a uma semana. Tinha uma cadelinha para ter filhos e queria dar assistência ao parto.

Ao regressar, o capitão parou junto de uma nascente de água cristalina que jorrava em cascata. Cavaleiro e cavalo precisavam de matar a sede e descansar um pouco. De repente, Valente começou a ouvir gritos de criança a pedir socorro, vindos do sul. De imediato, dirigiu-se veloz na direcção dos sons alucinantes.

Ao contornar uma espessa moita deparou-se-lhe o drama. Um jovem ricamente vestido estava a ser atacado por um belo dragão.

O Capitão que não era só valente de nome avançou de imediato para o bicho e travaram uma luta digna de campeões. O dragão, ao sentir que não podia vencer o valoroso cavaleiro, decidiu mudar de ares, bateu asas e foi-se embora.

Devido ao pânico, o jovem não se lembrava de nada; nome, família, país, amigos… Nada mesmo! O Capitão que tinha bom coração sentiu-se na obrigação de o proteger, por isso levou o menino para a cidade Preta.

Após algumas aventuras conseguiram chegar ao castelo, o menino foi bem recebido ficando junto das outras crianças e criou de imediato amizade com o filho do rei.

Conforme prometido o sábio da Montanha Mágica apareceu na cidade no dia combinado. Há quem diga que chegou envolto numa nuvem branca, igual à sua longa barba.

O velhinho arranjou logo forma de vencer a tristeza das crianças. Inventou um belo jogo, de muita arte e ciência, chamou-lhe Xadrez. Ensinou os garotos que a partir daí passaram os dias a jogar. Como por encanto ou magia a tristeza desapareceu e os meninos nem se lembravam que havia guerra.

Os dois jogadores mais destacados, eram o filho do rei e o menino recolhido que continuava a não ter lembranças do passado.

O rei da cidade Branca, muito teimoso continuava a cercar a cidade Preta. Entretanto recebeu uma notícia que o deixou muito abalado. O seu filho tinha desaparecido e provavelmente estava morto.

Desesperado com a má notícia decidiu atacar abertamente a cidade cercada. Apanhou de surpresa o castelo do rei Preto que não ofereceu resistência. Só faltava conquistar o salão que era defendido pelo destemido Capitão Valente.

Na fúria da luta, o portão do salão abriu-se e o rei Branco ficou paralisado com o que viu lá dentro. Muitos meninos a jogar um jogo que ele desconhecia e entre eles o seu filho desaparecido. O príncipe ao ver o pai, com o choque recuperou a memória contando de seguida as suas aventuras ao seu progenitor.

O rei Branco caiu em si e ficou profundamente arrependido com o seu comportamento, libertou os inimigos e voltou a entregar a cidade ao rei Preto.
Depois disso foram assinados acordos de paz eterna, tratados de cooperação. Lutas a partir desse momento só no tabuleiro de xadrez.

Passaram mais de dois mil anos e nunca mais houve guerra entre as duas cidades, contudo todos os anos se realizam importantes torneios de Xadrez entre Brancas e Pretas.

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Maravilhado com a narração fechei por momentos os olhos, quando os abri o descendente do sábio da Montanha Mágica tinha desaparecido.

Ainda hoje, estou convencido que era o próprio sábio da Montanha Mágica o maravilhoso velhinho que jogou o Xadrez comigo e me contou tão bela história. O meu cão Yarb pensa o mesmo.

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Marinha Grande, 13 de Julho de 1990
José Bray

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Este conto é dedicado ao meu neto Daniel Bray, ainda não nascido na altura em que escrevi “ A Invenção do Xadrez”, às filhas Ana e Isa, à Flor que atura as coisas do xadrez há trinta anos, ao meu cão Yarb que repousa no pinhal do rei e à inteligente Morgana.
Este conto também é dedicado aos meninos e meninas que acreditam na magia do Xadrez e o praticam com dedicação.

Revisão a 17 de Abril de 2004
José Bray












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