O drama da joaninha Lua
Era uma vez uma jovem
joaninha que tinha muita vaidade nas suas seis pintas negras que forravam o
exterior do seu vestido vermelho.
Aquela joaninha bonita,
mas algo supérflua, chamava-se Lua e era a perdição dos insectos macho, daquele
florido pomar. Grilos, besouros, gafanhotos e outros mais invulgares, perdiam a
cabeça ou seja o tacto, devido à paixão que ela inspirava neles, nos machos
conquistadores daquele paraíso.
Naquele dia de
primavera a nossa adolescente foi passear através de uma romãzeira que floria
em pleno. Após saborear o pequeno-almoço composto por ofídios, pequenos piolhos
malignos, a nossa joaninha decidiu bater uma sorna debaixo das frescas folhas
da romãzeira.
Lua não dormiu muito
tempo. Entretanto, sonhou que namorava com um belo zangão que andava a
inquietar o seu volátil coração. Acordou ao som de uma monótona melodia
executada por uma cantora muito irresponsável, a cigarra dona Escura. Em voz
alta Lua exclamou. – Esta senhora também
não sabe outra música, até incomoda o mais paciente.
Nesse meio tempo
perscrutou a paisagem para tentar descobrir a cantora, mas só viu uma formiga
que atarefada fazia pela vida, o inverno chegaria um dia e devia ser rigoroso.
Era preciso encher a dispensa e depressa, para a família não passar fome nesse
período de invernia.
-
Já andas na labuta formiga Obreira? Tu exageras, tens também de viver a vida,
diverte-te rapariga.
-
Pensas que tenho as tuas bonomias? Comer, passear e namorar. Alimentas-te de
vermes e insectos viventes, terás sempre comida nos teus cento e oitenta dias
de vida, mas eu sou vegetariana, por isso tenho que fazer reservas para o
inverno.
Apressada a formiga
afastou-se com o seu pesado fardo de comida, mas antes ainda exclamou.
-
Que se passa contigo Lua? Estás hoje diferente mas não sei dizer o quê.
Após fazer esta
afirmação continuou na sua azáfama à qual se juntou uma sua irmã.
-
Que se passará comigo? Assim pensou a nossa joaninha, não
sentia dores nem estava mal disposta.
Entretanto uma abelha,
a Maia, esvoaçava de flor em flor para encher a seu depósito de pólen.
-
Bom dia Lua. Que se passa contigo? Hoje estás diferente, não estás tão bonita
como de costume.
Dito isto Maia
afastou-se. Lua começou a ficar preocupada. –
Que se passa meu Deus dos insectos?
Pensou ela em silêncio.
Entretanto, mais alguns
amigos e amigas passaram por ela e todos disseram o mesmo.
-
Estás diferente, mas não sabemos em quê, nem o porquê.
Claro que nem a
joaninha sabia, mas não estava a gostar nada da situação. Lua então decidiu ir
ver-se no primeiro espelho que encontrasse, coisa que não foi difícil. Na parte
inferior da romãzeira gotas de orvalho eram às dezenas. Chegou perto de uma por
sinal bem grande e límpida. Olhou para a sua imagem com muita atenção, logo viu
o que se passava. Não tinha no vestido vermelho as seis pintas negras, alguém
durante o seu dormir as roubara.
-
Meu Deus dos insectos, estou perdida, sem as minhas pintas negras pareço um
tomate maduro.
A jovem joaninha chorou
a bom chorar, lágrimas das verdadeiras. Foi para casa, queria desabafar com a
sua mãe. No caminho encontrou a lagarta Verde, a quem contou o seu drama. Esta
deu-lhe então uma útil informação.
-
Sabes Lua, quem eu vi junto a ti enquanto dormias? Foi o grilo Cantante.
-Então
foi esse malandro, anda sempre a fazer marotices, vou já à procura dele.
Obrigada lagarta Verde.
Se assim o disse mais
depressa o fez. Após procurar durante três horas, horas em que todos
continuaram a dizer que Lua estava diferente, mas não sabiam porquê. Mas agora
ela replicava. – Foi culpa do malandro do
grilo Cantante, roubou-me as minhas seis pintas negras. Entretanto acabou
por encontrar o reguila do grilo Cantante, o terror das mães com meninas
adolescentes.
-
Olá linda joaninha, hoje não está tão bonita como de costume. Que te aconteceu?
-
Não gozes, tu bem sabes, meu malandro. Porque roubaste as minhas seis pintas
negras?
-
Eu? Eu não roubei nada, não levantes falsos testemunhos. Só estive a admirar-te
enquanto dormias.
-
Mentiroso! És sempre o mesmo, não posso confiar em ti, nem eu nem ninguém.
Realmente Lua tinha uma
paixão assolapada pelo belo grilo, este correspondia mas não gostava do excesso
de vaidade da joaninha.
-
Nunca acreditas em mim, paciência.
-
Claro que não acredito, não quero mais nada contigo. Enquanto não me devolveres
as minhas seis pintas negras, não mais te falarei.
-
Mas eu gosto de ti mesmo sem pintas!
-
Não me interessa. Sem pintas não haverá mais nada entre nós, deixa-me.
-
És uma joaninha vaidosa, para ti só a beleza conta, passa bem quando quiseres
procura-me.
Lua partiu para casa a
voar e a chorar. O seu conflito era imenso, um drama entre o amor e a vaidade.
Ao chegar foi para o regaço da mãe joaninha.
-
Mãe, o grilo Cantante é um malandro, roubou as minhas seis pintas negras, não o
quero ver mais.
-
Tens a certeza que foi ele? Por vezes há equívocos.
-
Ele bem negou, mas eu não acredito na palavra dele, viram-no perto de mim
enquanto dormia.
-
Filha, espero que não te venhas a arrepender,
O tempo passou e o
grilo sempre a negar. Mas também não abria o jogo, queria ver até que ponto a
Lua preferia a beleza ao amor.
Passaram-se uns dias,
Lua não perdoou mesmo.
Numa certa tarde
começou a cair uma chuva miudinha, mais tipo cacimbo forte. A nossa joaninha
voava, acabando por se molhar completamente. Abrigou-se debaixo de uma enorme
folha de figueira, ao lado noutra folha formara-se um lago que reflectia as
imagens. Lua foi mirar-se no espelho do lago e qual não é o seu espanto as
pintas estavam novamente no seu vestido.
Afinal, o grilo
Cantante não roubara as seis pintas negras, só as pintara de vermelho com o
sangue do seu corpo. Fizera isso para dar uma lição à joaninha vaidosa.
Esta exclamou chorando.
-
Que raio de porcaria eu fiz? Estraguei tudo, valha-me Deus dos insectos.
Nessa altura já o grilo
Cantante namorava a formiga Obreira e não mais quis saber da joaninha Lua.
Lisboa, 21 de Julho de
2013
José Bray
Nota:
Este conto infantil, foi escrito parte às oito horas da manhã na Flor do
Império e a outra parte no Jardim Constantino ao meio-dia. Nesse dia,
mergulhado na minha solidão senti que alguém tinha roubado a minha cidade.
Sensação estranha!
Um conto bonito
ResponderEliminarCaro José Bray, entendo que se trata de uma história infantil. Mas qual é a moral da mesma?
Sinto que estava triste no dia da sua escrita!
Obrigado!
Amigo/a,
ResponderEliminarEste conto infantil, é uma metáfora à vaidade e à falta de confiança.
Para Lua, era mais importante a beleza que tudo o resto. Também o não confiar, após o seu amado garantir, se torna doentio.
Acontece isso com muita gente, homem ou mulher.
Lua ficou com as pintas, mas perdeu o sem amor!
Que sirva de lição à joaninha...
Obrigado pelo seu comentário.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarUm conto maravilhoso e muito bem estruturado.
ResponderEliminarGostei muito e à medida que o lia,percorri um outro conto, O Rouxinol e a Rosa de Oscar Wilde. A vaidade e o amor estão presentes no conto de OW,mas o final é bem mais triste que este conto.
"Três coisas não podem ser escondidas por muito tempo: O sol, a lua e a verdade".
Buda
O sol e a lua, concordo que ninguém consegue esconder! Quanto à verdade é uma falácia, porque cada um tem a sua verdade, assim como a sua mentira. Pior que tudo é a omissão, porque é jogo sujo! O que não quero dizer e não querendo mentir, omito!
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