terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Natal no Asilo

Natal no Asilo
“Quando eu penso no meu futuro não esqueço o meu passado. Penso no futuro, penso no passado mas vivo o presente! Este texto abaixo tem o sentir de uma triste realidade, o drama da terceira idade”.
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O dia estava no fim, os velhos recolhiam aos poucos aos seus aposentos, uns iam em cadeira de rodas, outros de canadianas, mais uns tantos de bengala, mas também havia alguns que ainda usavam as suas pernas embora tremelicando como canas num canavial. Nos quartos estavam os que nunca saíam a não ser para a viagem final, olhavam para tudo, nada vendo com suas vistas vazias e babando-se continuadamente.
Era noite de Natal, o jantar tinha sido um pouco reforçado, terminando com filhoses para todos, enviadas por uma benemérita. A acompanhar um café fraco ou um chá conforme o gosto de cada um, alguns dos velhos receberam um golo de aguardente. Mais tarde os que podiam sair dos quartos e camaratas iam assistir à missa do galo, beber um pouco de leite e comer uma fatia de bolo-rei oferecido pela mesma benemérita a senhora das filhoses.
Muitos esperavam ter visita no dia seguinte, mas só poucos teriam essa sorte. A maior parte destes idosos vindos de gente pobre, ao terem deixado de ter utilidade aos filhos e aos netos eram despejados naquela vetusta instituição fundada no tempo da rainha dona Amélia.
Mal eles sabiam que estava para acontecer dois momentos de grande alegria para eles, um nessa noite e outro, depois do almoço de Natal. Mas não vamos ainda esclarecer o mistério.
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Nas águas furtadas daquele prédio, quatro jovens estavam trabalhando arduamente, eram estudantes que decidiram não ir a casa para cumprir uma promessa feita ao director do Asilo.
Asdrubal e o Ochoa eram dois estudantes da Escola das Belas Artes, vivendo com as namoradas nas águas furtadas de um prédio velho no centro da cidade. Os quadros jovens eram prendados, Asdrubal escrevia, tinha muita imaginação, sua companheira cantava bem e queria seguir canto, Ochoa era um talento no desenho, por sua vez a sua querida queria ser actriz e sonhava dia e noite com teatro.
A água furtada era uma enorme sala,  com uma mini cozinha e um minúsculo WC que completavam o espaço. A sala era dividida por um pano preso por molas da roupa a um cordão de nylon que atravessava a sala fazendo duas divisões, um quarto para cada casal. A privacidade era quase nula. Os quatro davam-se bem e tudo dividiam, tudo menos a vida sexual, aí os rapazes eram muito conservadores, as raparigas não tanto. Na verdade Mara e Dália eram bem mais experimentadas na vida e nada lhes fazia confusão, contudo respeitavam as cabeças quadradas dos namorados.
Estes jovens tinham em comum, serem uns tesos. Sempre com falta de dinheiro, passando necessidades primárias em especial comida. Os poucos recursos eram gastos em tabaco, álcool, discos e livros. Aos trambolhões lá iam sobrevivendo, tentando acabar os cursos que frequentavam. As raparigas eram da capital, os rapazes não, tinham vindo para a cidade grande de muito longe. Estavam perto do Natal e com ele as férias escolares. Asdrubal e Ochoa não tinham dinheiro para ir à terra, também não estavam interessados em deixar as namoradas na capital, não fossem elas dar o fora. Eles pensavam que não, mas nunca se sabia. Então decidiram ficar todos juntos e dividir o nada que cada um tinha.
As traseiras do velho prédio davam para as traseiras do Asilo dos velhos. Os rapazes, em especial o Asdrúbal, observavam das janelas das águas furtadas os homens e as mulheres no crepúsculo da vida, sentados no pátio apanhando sol nos dias bons. Os quatro tinham imensa pena dos tristes idosos. Raramente eles sorriam ou falavam uns com os outros, eram mortos ainda com vida.
Um dia os rapazes tiveram uma ideia e foram falar com o director do Asilo…
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Com a colaboração do Zé das plantas, seu cúmplice, João pôs em movimento as fases do plano há dias pensado. 
Era vinte e quatro de Dezembro, como habitual o clã Lopes reuniu-se em casa do banqueiro pai do João, cerca de trinta. O jantar era cheio de requintes. Todos comiam, todos bebiam, todos riam. Era uma felicidade sem limites. Mas não era total a felicidade. Três pessoas sentiam na alma o contraste daquela noite esfuziante. Era o velho jardineiro Zé das plantas, convidado mas que não saiu do seu anexo, só foi ao salão fazer um brinde à família. A esposa do banqueiro que recordava o passado e a sua avó falecida há dez anos. O João que sentia na alma o drama dos pobres em especial os idosos.
Chegou a hora de abrir os presentes, João quis ser o primeiro, recebeu, agradeceu e de seguida saiu observado pelo olhar atento de sua mãe.
A pequena charrete puxada por um corcel negro dirigia-se para parte velha da cidade, ia a passo certo e na estrada de paralelepípedos, os cascos do animal ressoavam na noite fria. Flocos de neve tudo cobriam, fazendo um contraste no dorso negro do cavalo. A charrete era conduzida por um velho muito velho, a seu lado um pai Natal pequeno, era o João equipado como mandam as regras. Sorriam, iam felizes.
O destino era o Asilo dos velhos, para idosos muito pobres, e abandonados pelos seus familiares. Naquele vetusto edifício, dividido em uma ala para mulheres outra para homens, esperavam a morte duas centenas de velhos e velhas. Bateram ao portão, foram recebidos por um responsável já a par do plano do João.
Os velhos tinham terminado a missa do galo, estavam agora no refeitório a beber um pouco de leite. Quando o menino entrou fardado de pai Natal, os velhinhos puseram-se a bater palmas e a rir, pareciam patetinhas, com tanta alegria.
Com ajuda do Zé das plantas João foi entregando a um e um os presentes que todos agradeciam emocionados. Depois foram até às camaratas entregar aos acamados também uma prenda a cada um. Uns sorriam e atiravam beijos, outros pareciam nada sentir ou talvez não porque um brilho aparecia nos olhos já cansados, pela idade e pelo sofrimento.
Despediram-se e regressaram à charrete, quando partiram, ouviram uma algaraviada, era os velhinhos a dizerem adeus através das janelas do Asilo. Meia hora depois, chegaram ao palácio dos Lopes.
Ultrapassaram o portão e ao chegar à escadaria da residência a mãe do João esperava por eles.
- Obrigada, meu filho, obrigada Maia meu amigo! Estou muito emocionada. João, a minha avó e tua bisavó, deve estar muito feliz lá onde estiver.
O João foi abraçar-se à mãe chorando. Uma lágrima de saudade rolou pela cara de Carlos da Maia, verdadeiro nome do velho jardineiro.
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Nesse dia o almoço de Natal foi muito bom devido a ofertas especiais, como por exemplo a vinda da casa do Robalo Lopes, banqueiro importante da cidade. Alguns familiares dos velhos, poucos, estiveram presentes.
Após o almoço os idosos deslocaram-se para um salão polivalente, onde existia um pequeno palco. Nesse dia o palco estava profusamente decorado com muitas luzes. À hora certa um gongo deu três pancadas e o pano de cena foi puxado para um dos lados, quatro jovens apareceram à frente de um artístico cenário. Os idosos sem nada ainda ter acontecido, começaram a bater palmas. Depois...
Depois foram três horas de sonho. Houve de tudo! Primeiro a representação de uma estória de amor, amor com muita pureza, escrita pelo Asdrubal. Depois, Mara cantou inúmeras canções do passado, pedindo aos velhos que também o fizessem, inclusive pedindo a um e a outro que viesse ao palco. Ochoa fazia rápido caricaturas passando pelas mesas. Dália com bela representação contava anedotas. Asdrubal recitava pequenos poemas coisa que ele adorava, muitos dedicados aos idosos. Para acabar, um baile foi levado a efeito por todos que se podiam mexer, inclusive as cadeiras de rodas também rodopiaram.
Depois, depois os idosos felizes regressaram aos seus cubículos. Mas naquele Asilo nada voltou a ser como antigamente, ventos de esperança sopraram por todo o velho edifício.
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Nota: Este texto tem parte de dois contos distintos, “A palavra e o desenho” e “O rapaz e o jardineiro”.
Comeira, 22 de Dezembro de 2013
ZM
Dedicado aos idosos deste país, tão desprezados pela família e pela sociedade!


1 comentário:

  1. Com dois tamanhos de letras torna-se difícil a leitura. Há que uniformizar para ser mais confortável a quem lê.

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