Natal no Asilo
“Quando
eu penso no meu futuro não esqueço o meu passado. Penso no futuro, penso no
passado mas vivo o presente! Este texto abaixo tem o sentir de uma triste
realidade, o drama da terceira idade”.
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O dia estava no
fim, os velhos recolhiam aos poucos aos seus aposentos, uns iam em cadeira de
rodas, outros de canadianas, mais uns tantos de bengala, mas também havia
alguns que ainda usavam as suas pernas embora tremelicando como canas num
canavial. Nos quartos estavam os que nunca saíam a não ser para a viagem final,
olhavam para tudo, nada vendo com suas vistas vazias e babando-se
continuadamente.
Era noite de Natal,
o jantar tinha sido um pouco reforçado, terminando com filhoses para todos,
enviadas por uma benemérita. A acompanhar um café fraco ou um chá conforme o
gosto de cada um, alguns dos velhos receberam um golo de aguardente. Mais tarde
os que podiam sair dos quartos e camaratas iam assistir à missa do galo, beber
um pouco de leite e comer uma fatia de bolo-rei oferecido pela mesma benemérita
a senhora das filhoses.
Muitos esperavam
ter visita no dia seguinte, mas só poucos teriam essa sorte. A maior parte
destes idosos vindos de gente pobre, ao terem deixado de ter utilidade aos
filhos e aos netos eram despejados naquela vetusta instituição fundada no tempo
da rainha dona Amélia.
Mal eles sabiam
que estava para acontecer dois momentos de grande alegria para eles, um nessa
noite e outro, depois do almoço de Natal. Mas não vamos ainda esclarecer o mistério.
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Nas águas furtadas
daquele prédio, quatro jovens estavam trabalhando arduamente, eram estudantes
que decidiram não ir a casa para cumprir uma promessa feita ao director do
Asilo.
Asdrubal e o Ochoa
eram dois estudantes da Escola das Belas Artes, vivendo com as namoradas nas
águas furtadas de um prédio velho no centro da cidade. Os quadros jovens eram
prendados, Asdrubal escrevia, tinha muita imaginação, sua companheira cantava
bem e queria seguir canto, Ochoa era um talento no desenho, por sua vez a sua
querida queria ser actriz e sonhava dia e noite com teatro.
A água furtada era
uma enorme sala, com uma mini cozinha e um minúsculo WC que completavam o espaço.
A sala era dividida por um pano preso por molas da roupa a um cordão de nylon
que atravessava a sala fazendo duas divisões, um quarto para cada casal. A
privacidade era quase nula. Os quatro davam-se bem e tudo dividiam, tudo menos
a vida sexual, aí os rapazes eram muito conservadores, as raparigas não tanto.
Na verdade Mara e Dália eram bem mais experimentadas na vida e nada lhes fazia
confusão, contudo respeitavam as cabeças quadradas dos namorados.
Estes jovens
tinham em comum, serem uns tesos. Sempre com falta de dinheiro, passando
necessidades primárias em especial comida. Os poucos recursos eram gastos em
tabaco, álcool, discos e livros. Aos trambolhões lá iam sobrevivendo, tentando
acabar os cursos que frequentavam. As raparigas eram da capital, os rapazes
não, tinham vindo para a cidade grande de muito longe. Estavam perto do Natal e
com ele as férias escolares. Asdrubal e Ochoa não tinham dinheiro para ir à
terra, também não estavam interessados em deixar as namoradas na capital, não
fossem elas dar o fora. Eles pensavam que não, mas nunca se sabia. Então
decidiram ficar todos juntos e dividir o nada que cada um tinha.
As traseiras do
velho prédio davam para as traseiras do Asilo dos velhos. Os rapazes, em
especial o Asdrúbal, observavam das janelas das águas furtadas os homens e as
mulheres no crepúsculo da vida, sentados no pátio apanhando sol nos dias bons.
Os quatro tinham imensa pena dos tristes idosos. Raramente eles sorriam ou
falavam uns com os outros, eram mortos ainda com vida.
Um dia os rapazes
tiveram uma ideia e foram falar com o director do Asilo…
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Com a colaboração
do Zé das plantas, seu cúmplice, João pôs em movimento as fases do plano há
dias pensado.
Era vinte e quatro
de Dezembro, como habitual o clã Lopes reuniu-se em casa do banqueiro pai do
João, cerca de trinta. O jantar era cheio de requintes. Todos comiam,
todos bebiam, todos riam. Era uma felicidade sem limites. Mas não era total a
felicidade. Três pessoas sentiam na alma o contraste daquela noite esfuziante.
Era o velho jardineiro Zé das plantas, convidado mas que não saiu do seu anexo,
só foi ao salão fazer um brinde à família. A esposa do banqueiro que recordava
o passado e a sua avó falecida há dez anos. O João que sentia na alma o drama
dos pobres em especial os idosos.
Chegou a hora de
abrir os presentes, João quis ser o primeiro, recebeu, agradeceu e de seguida
saiu observado pelo olhar atento de sua mãe.
A pequena charrete
puxada por um corcel negro dirigia-se para parte velha da cidade, ia a passo
certo e na estrada de paralelepípedos, os cascos do animal ressoavam na noite
fria. Flocos de neve tudo cobriam, fazendo um contraste no dorso negro do
cavalo. A charrete era conduzida por um velho muito velho, a seu lado um pai
Natal pequeno, era o João equipado como mandam as regras. Sorriam, iam felizes.
O destino era o
Asilo dos velhos, para idosos muito pobres, e abandonados pelos seus
familiares. Naquele vetusto edifício, dividido em uma ala para mulheres outra
para homens, esperavam a morte duas centenas de velhos e velhas. Bateram ao portão,
foram recebidos por um responsável já a par do plano do João.
Os velhos tinham
terminado a missa do galo, estavam agora no refeitório a beber um pouco de
leite. Quando o menino entrou fardado de pai Natal, os velhinhos puseram-se a
bater palmas e a rir, pareciam patetinhas, com tanta alegria.
Com ajuda do Zé
das plantas João foi entregando a um e um os presentes que todos agradeciam
emocionados. Depois foram até às camaratas entregar aos acamados também uma
prenda a cada um. Uns sorriam e atiravam beijos, outros pareciam nada sentir ou
talvez não porque um brilho aparecia nos olhos já cansados, pela idade e pelo sofrimento.
Despediram-se e
regressaram à charrete, quando partiram, ouviram uma algaraviada, era os
velhinhos a dizerem adeus através das janelas do Asilo. Meia hora depois,
chegaram ao palácio dos Lopes.
Ultrapassaram o
portão e ao chegar à escadaria da residência a mãe do João esperava por eles.
- Obrigada, meu
filho, obrigada Maia meu amigo! Estou muito emocionada. João, a minha avó e tua
bisavó, deve estar muito feliz lá onde estiver.
O João foi abraçar-se à mãe chorando. Uma lágrima de saudade rolou pela cara de Carlos da
Maia, verdadeiro nome do velho jardineiro.
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Nesse dia o almoço
de Natal foi muito bom devido a ofertas especiais, como por exemplo a vinda da
casa do Robalo Lopes, banqueiro importante da cidade. Alguns familiares dos
velhos, poucos, estiveram presentes.
Após o almoço os
idosos deslocaram-se para um salão polivalente, onde existia um pequeno palco.
Nesse dia o palco estava profusamente decorado com muitas luzes. À hora certa
um gongo deu três pancadas e o pano de cena foi puxado para um dos lados,
quatro jovens apareceram à frente de um artístico cenário. Os idosos sem nada
ainda ter acontecido, começaram a bater palmas. Depois...
Depois foram três
horas de sonho. Houve de tudo! Primeiro a representação de uma estória de amor,
amor com muita pureza, escrita pelo Asdrubal. Depois, Mara cantou inúmeras
canções do passado, pedindo aos velhos que também o fizessem, inclusive pedindo
a um e a outro que viesse ao palco. Ochoa fazia rápido caricaturas passando
pelas mesas. Dália com bela representação contava anedotas. Asdrubal recitava
pequenos poemas coisa que ele adorava, muitos dedicados aos idosos. Para acabar, um baile foi levado a efeito por todos que se podiam mexer, inclusive as
cadeiras de rodas também rodopiaram.
Depois, depois os
idosos felizes regressaram aos seus cubículos. Mas naquele Asilo nada voltou a
ser como antigamente, ventos de esperança sopraram por todo o velho edifício.
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Nota: Este texto
tem parte de dois contos distintos, “A palavra e o desenho” e “O rapaz e o
jardineiro”.
Comeira, 22 de
Dezembro de 2013
ZM
Dedicado aos idosos deste
país, tão desprezados pela família e pela sociedade!
Com dois tamanhos de letras torna-se difícil a leitura. Há que uniformizar para ser mais confortável a quem lê.
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