Natal diferente
Aquele foi um Natal muito especial, direi mais, muito
diferente do trivial.
Primeiro: não havia frio, antes pelo contrário havia muito
calor, tanto de dia como de noite.
Segundo: era muito longe, duvido que as renas voassem tantas
léguas no céu. Ainda mais sem asas. Talvez o fizessem se fossem da família do
Pégaso.
Terceiro: por ali não havia meninos ricos e gente pobre não
interessava ao Deus dos ricos.
Mas na verdade ia ser Natal e muitos queriam festejar, mesmo aqueles
que não acreditando, o toleravam.
Havia contudo um problema: não havia brinquedos, não havia
comida, não havia segurança. Mas havia muita guerra!
O casal Castro foi apanhado naquele imbróglio num dado ano,
em que eram cooperantes. Apanhados naquele Natal que era único e especial, no
mau sentido. Ou seja: foram apanhados na voragem da história.
Eles queriam para
aquele dia vinte e quatro de Dezembro, algo para comer, algo para beber, como
desejavam para todos os outros dias.
Água para beber ia havendo, mas depois de fervida.
O meu amigo Alberto combinou com Inês sua mulher a estratégia
para aquele dia. Ele iria para a fila da padaria e depois para a fila do arroz
e enlatados. Ela iria para a fila dos frangos vindos da Holanda.
E assim foi!
Alberto, com mais ou menos desenrascanso lá alcançou o
objectivo. Embora o arroz vindo do Brasil cheirasse a bafio e o pão era daquele
que no dia seguinte era intragável. Os enlatados estranhos para os negros
também escapavam. Muitos com os prazos de validade ultrapassados. Mas em tempo
de guerra não se limpam armas.
Para a Inês, a situação foi mais complicada. Este pequeno
texto de Natal especial deve-se ao seu episódio na estória.
Inês de Castro, esbelta mas já uma barriga de três meses que
mais parecia seis aproximou-se da cooerativa na qual os frangos eram vendidos. Ia
esperançosa, mas muito duvidosa. Mas havia que tentar, porque em casa tudo
faltava.
Uma fila horrorosa saía dentro da superfície muitos metros.
Tudo negras, nem uma branca. Ainda mais com pedras no chão a marcar posição, não
sabemos de quem.
Inês entristeceu cada vez mais, nunca iria para uma fila
daquelas. Nem acreditava que houvesse frangos para tanta mulher.
Sentia-se revoltada, ficara no novo país, solidária com o
companheiro. Este ficara para ajudar aquele povo carenciado de tudo. No fundo
nem comida tinham para compensar todo o esforço.
A jovem não aguentou o choro e começou a afastar-se.
Foi então que ouviu chamar. À primeira não entendeu mas
depois viu que era para si.
- Camarada venha para aqui para o pé de nós!
Duas negras chamavam por ela para ir para o princípio da
fila. Ela receosa aproximou-se, ainda incrédula.
Outras negras começaram a reclamar e com lógica. Mas as duas
negras que tinham poder da fala, argumentaram na lógica delas.
- A camarada branca está prenha por isso tem direito a estar na
frente.
E assim foi! Inês agradeceu comovida e feliz correu para
casa.
Foi da parte das minhas compatriotas um belo gesto de amor.
Daqueles que marcam para toda a vida.
Em casa, Alberto já tinha o pão, lata de espargos, outra de
cogumelos e o arroz. Inês colocou de imediato o frango ao lume.
Enquanto o bicho cozinhava, telefonaram para a Europa para
falar com a filha ausente, através de um telefone que por sorte ainda estava
ligado.
Resta dizer que o frango holandês era duro que nem cornos.
Uns amigos da onça que enviavam para o carente país o lixo de sua casa.
A consoada chegou e os Castros estavam felizes, não pelo
Natal, eles até era descrentes, mas por estarem juntos.
Lá fora, na noite de recolher obrigatório, brilhando como
estrelas cadentes as balas tracejantes das metralhadoras ribombavam por todos
os musseques.
Meteoros que partiam em sentido inverso, da terra humilhada
para céu infinito!
16/11/2017
Djapam
Nota - Esta
estória aconteceu no Natal de 1975.
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