segunda-feira, 6 de abril de 2015

Cooperantes - As filas

08 - As filas
Nessas noites de Luanda, quando não havia recolher obrigatória, a cena repetia-se, eram as filas para obtenção de algum alimento.
Por todo a cidade asfaltada a cena era a mesma, durante o dia filas que nunca tinham fim, melhor, tinham fim quando o produto em causa esgotava. Era um vazio total numa cidade sem comida mas inundada de famintos. Famintos tivessem eles ou não dinheiro, estávamos todos no zero absoluto.
Essas tristes e desalentadas filas prolongava-se pela noite, por vezes até de madrugada, se a noticia fosse. – Vai haver produto! - Era o pão, era a carne, era as batatas, era o arroz, feijão, massa e tudo o resto. Os do poder e do partido sempre tinham comida assim como os convidados do governo, em especial gente do leste. Os cubanos também tinham nos quartéis. Mas para o povo angolano néspias. Os cooperantes portugueses estavam inseridos no mesmo patamar das gentes pobres e desprezadas de Angola.
As famosas filas eram noventa e nove por cento de pretos, alguns mulatos e dois ou três brancos, normalmente mulheres em busca de um pouco de comida para ela, marido e filhos. Era isso que acontecia com a senhora Castro, enquanto o seu homem trabalhava fazendo o possível por ajudar Angola. Passava os dias nas filas, também chamadas de bichas. Ela andava durante o dia de fila em fila, muitos dias regressava a casa a chorar de mãos vazias. Durante a noite, era o Castro e amigos que iam para as filas.
Vou contar algumas cenas sobre essas famosas filas.
Como já foi dito ou irá ser dito, a mulher do Castro andou por essas filas durante a gestação da filha que nasceu em Junho de 1976, concebida na Angola colonial e nascida na Angola independente. Por aqui se pode perceber o drama e coragem dessa mulher que não quis deixar sozinho em Luanda o utópico companheiro.
Como todos devem entender, será escusado dizer que naquelas filas o branco estava sempre fodido, ou seja tinha de bater a bola baixinha.
Os negros marcavam o lugar com pedrinhas, assim era incontrolável o número de gente que apareciam a mais. Só o controlo de outros negros impediam maior exagero neste ardil do povo, e que fosse quase impossível chegar à frente. Branco caladinho ou então tinha de usar muita diplomacia, era uma grande merda. Coitados dos cooperantes portugueses, que tanto davam sem compensação.
Para os cooperantes não havia ainda canais alternativos como se impunha, para quem estava a produzir para uma nação que não é a sua. Por vezes eles conseguiam algumas alternativas, mas sobre isso falaremos quando vier as comidas à baila, agora era só para falar de filas, ou bichas.
Agora falemos então das filas…
Há uma estória que tem de ser contada para sermos honestos.
Um dia houve uma distribuição de arroz, a senhora Castro chegou ao local, a fila transbordava e ainda havia as célebres pedras. Ela com uma barriga enorme não conseguiu conter as lágrimas. Preparava-se para se afastar, foi então que aconteceu…
Umas negras que estavam nos primeiros lugares da fila, exigiram que ela viesse para a frente da fila, dizendo ao mesmo tempo para aquelas que reclamavam.
- A camarada com essa barriga não pode ir para o fim da bicha, venha para aqui. As camaradas calem-se senão levam no focinho…
Este foi o acto mais sublime de que tive conhecimento no que respeita a estas filas de sofrimento em busca do nada.
Na noite de Natal de 1975, os Castros e amigos incluindo a minha pessoa, foi passada à porta de um talho. Sei pela senhora Castro que quando chegou a sua vez o talhante vendeu-lhe o melhor que tinha. O dia 25 foi por isso mais festejado, fomos todos ao quinto andar da rua 5 de Outubro conviver.
Os produtos eram normalmente de má qualidade, muitos eram de países que os enviavam para os miseráveis. Eram contudo desviados e vendidos nos circuitos mafiosos.
Um dia houve uma distribuição de frangos vindos da Holanda. A senhora Castro lá conseguiu um com as dificuldades do costume, a preço de ouro. O filho da puta do frango era rijo como cornos, nunca conseguiu ser cozido devido ser tão duro e velho. Esquisito, não é? Um frango duro e velho!
Os produtos faltavam meses seguidos, por exemplo, batatas não houve por vezes em períodos de dois e três meses. O pão que se conseguia, no dia seguinte estava cheio de bolor.
Como os leitores podem compreender, a vida era uma maravilha para os cooperantes portugueses, por isso também para o casal Castro. Djapam, 7/1/2014


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