Susejo e o Natal
Lá longe, muito longe, num mundo há muito desaparecido, um
idoso de longa barba caminhava cantando uma canção que só ele entendia. Mas a
melodia soava bem ao ouvido de um qualquer ser, pessoa ou animal. Era um
espiritual composto pelo idoso, muito idoso mesmo. Impossível fazer um palpite
da sua quantidade de anos. Cem, duzentos, trezentos? Não sabemos!
“O inverno chegou
Com o seu solstício
O Natal avançou
Matando a frio
A festa da natureza
Pagãs mas belas
Saindo da pureza
Ficou-se nas balelas
Susejo assistiu
Com tolerância
Druida omitiu
Fingido ignorância”
Na minha opinião, Susejo não tinha idade, era o tempo do
tempo.
Na mão direita levava um bordão feito de tronco de carvalho
com mil anos, a árvore dos sábios. Na mão esquerda um saco de fabrico caseiro
feito em pele de cabra, dentro algumas ferramentas de marceneiro, uma das suas
muitas artes e saberes.
O velho senhor de idade indefinida apressou o passo. Queria
chegar à próxima aldeia a tempo da refeição do almoço. Um amigo de longa data
esperava por ele.
Sentado num banco corrido Druida apanhava o bom sol do
meio-dia. Sabia que o amigo Susejo não ia tardar. Já sentia satisfação ao
pensar nas muitas conversas que iam ter: seria sobre tudo e mais alguma coisa.
Depois iriam falar com os jovens adolescentes da aldeia. Queriam falar de bons
costumes e valores morais, higiene e explicar a importância do saber.
Batia as doze horas no badalo gigante, quando Susejo entrou
no rossio da aldeia, o seu principal largo. O amigo, um velho parecendo seu
sósia, esperava por ele de braços abertos e largo sorriso.
Um longo e comovido abraço juntou os corpos e as almas dos
seculares amigos. Homens do saber, da magia, das artes e do espírito.
Logo que entrou na povoação, Susejo reparou que havia
ambiente de festa. Não ficou admirado porque estavam sobre o solstício de
inverno e as festas pagãs eram habituais nessa época.
Com alguma ironia comentou com o seu amigo Druida:
- Então velhote, tudo preparado para os festejos da vossa fé?
Estamos na época!
O Druida sorrindo mas a sério, explicou ao seu amigo vindo de
longe:
- Estás enganado Susejo. A aldeia contra a minha vontade vai
festejar o nascimento de Jesus. À comemoração deram o nome de Natal. A noite de
vinte e quatro para vinte e cinco é por isso a noite de Natal.
Passou a ser por uma imposição do bispo romano que tutela a
região.
Não concordo, mas também não sou contra, desde que o povo
esteja feliz.
Apropriaram-se das minhas tradições pagãs e das tradições
romanizadas deles, mas também pagãs.
Calaram-se durante uns minutos, depois o visitante perguntou:
- Nessa nova filosofia oferecem prendas às crianças?
- Alguns pais fazem-no a maioria não!
Susejo franziu o sobrolho numa demonstração de tristeza.
Entretanto foram conversando enquanto faziam a sua frugal
refeição, à base de frutas, leguminosas e pão.
Seguiu-se a palestra com os adolescentes da aldeia, que
atentos tudo ouviram com interesse.
No dia seguinte ia ser véspera da tal festa chamada Natal.
Festa que o bispo romano impusera para comemorar o nascimento de Jesus.
Susejo perante estas novidades, decidiu ficar. Queria fazer
parte da comemorações…
Pediu ao amigo Druida ajuda e foi trabalhar para a pequena
oficina do carpinteiro da aldeia, um velho tão velho como eles e amigo de
ambos.
Como sabemos de outras narrativas, Susejo era um marceneiro
artista e trabalhador despachado.
Susejo tinha a sua fisgada!
Trabalhou arduamente, durante toda a noite e todo o dia
seguinte. Por vezes com ajuda do Druida e do velho carpinteiro.
O resultado de tão intensiva aplicação foi a produção de
dezenas de brinquedos em madeira: barcos, carros de bois, bonecas, moinhos,
flautas, casas, pontes, e muitas mais peças que nem sei classificar.
Susejo estava feliz, queria que todas as crianças tivessem a
sua prenda na noite do tal Natal que festejava o nascimento do tal Jesus.
Susejo sabia que o Natal era uma mentira. Ele sabia melhor
que todos: ninguém sabia a data de nascimento de Jesus.
Era tudo uma maquinação do poder romano recém convertido ao
cristianismo. O solstício de inverno era tempo de grandes festas pagãs, tanto
para celtas como para romanos.
Era preciso capar essas festas, sobrepondo outras com ritual
diferente.
As crianças não tinham culpa! Pagãs ou cristãs tinham direito
a ter prendas.
O seu amigo Druida sabia isso, mas fingia não saber. Queria o
bem de todos.
Susejo, por razões óbvias, sabia ser uma mentira pegada, mas
entrara com prazer na farsa.
Depois de entregar os brinquedos às crianças, Susejo partiu
feliz para a sua eterna peregrinação.
22/12/2017
José Bray