segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A viagem de minha mãe!

A viagem de minha mãe!
Parei à saída daquele bairro residencial para fazer um telefonema importante. O dia estava bonito, um verão de São Martinho prolongado mas bem frio. Após algumas tentativas alguém entendeu a minha chamada.
- Estou sim, quem fala?
- Bom dia, sou o Zé Manel. É o tio Alberto?
- Sou eu sim. Como estás sobrinho? Já não falo contigo desde a tua ida à Ermegeira naquela noite mágica do passado. Quando vens visitar os teus familiares que estão longe?
- Mais depressa que o tio pensa. O meu guia de viagem já está à minha espera para lá da ponte. Tem caçado muito, ou a lei daí proíbe? Ainda há dias contei a pessoa amiga a estória de só matar um coelho. Uma grande lição de vida que tento transmitir aos mais novos.
- Zé Manel, deixei de caçar há muito tempo. Não temos o direito de tirar a vida aos pobres coelhos, lebres, perdizes, que não fazem mal a ninguém. Todos estes bichos são animais de Deus, por isso têm alma.
- Já agora, como está o meu padrinho e restante família, tenho muitas saudades deles, de uns mais que de outros. Sou um simples mortal com qualidades e defeitos, por isso não consigo gostar por igual.
- O teu padrinho continua a tocar o seu trombone, todos gostam de o ouvir. Deve estar neste momento a ensaiar ou a ensinar, alguns pequenitos que aqui chegaram há pouco tempo. Ele é mesmo muito bom em todos os sentidos. Penso que a irmã caçula a Amélia está neste momento ao pé dele, são muito amigos.
- Sempre gostei muito deles e do tio também, são a par da minha irmã Ana Maria os familiares que mais me emocionam na minha saudade. Tio diga à menina que a sua mãe a vai visitar!
- Não me digas, então a minha irmã Alice vem aí. Já a não vejo há quase cinquenta anos…Como está ela?
- Foi por isso também que lhe liguei. Tio a minha mãe está muito velhota, têm de ter muita paciência com ela. Como sabe melhor que eu, o primeiro terço da vida dela foi de grande sofrimento, foi uma mulher muito sofrida. Depois os outros dois terços foram mais equilibrados, mas foi sempre uma mulher castrada. Um carácter muito forte, mulher orgulhosa mas com imensos complexos, fizeram dela uma mulher fechada em si mesmo, que pouca alegria teve na vida.
Parei para tomar folgo, depois continuei e terminei o contacto.
- Tio, peço que ajudem a minha mãe a adaptar-se, peça a todos em especial ao meu padrinho, casa onde eu nasci e tanto apoio deu à Alice nesse drama. Preparem a minha irmãzinha para a chegada da mãe.
- Fica descansado Zé Manel, tudo será feito como desejas. Adeus!
- Obrigado meu tio e até um dia destes.
Desliguei a chamada com emoção. O dia continuava bonito naquele bairro residencial. Olhei para trás, lá dentro numa campa húmida e fria o corpo de minha mãe repousa. Neste momento, a sua alma deve estar a chegar junto dos nossos antepassados falecidos!
16/12/2013
ZM
Para, Maria Alice Bray 1923/2013



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